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POLÍTICA Quinta-feira, 23 de Maio de 2019, 10:14 - A | A

Quinta-feira, 23 de Maio de 2019, 10h:14 - A | A

ADOÇÃO NA PASSARELA

Ampara diz que evento foi mal interpretado, após críticas por "superexposição" de crianças para adoção

Alexandra Freire - O Bom da Notícia

A presidente da Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), Lindacir Rocha Bernardon, afirma que o evento “Adoção na passarela”, ocorrido nessa terça-feira (21) foi mal interpretado.

 

A ação virou notícia nacional e recebeu críticas nas redes sociais sobre o incentivo a adoção tardia pela superexposição dos órfãos.

 

“Infelizmente, quem postou a matéria, a postou de forma equivocada e indevida”, disse a presidente da Ampara, durante entrevista à Rádio Capital FM, nesta quinta-feira (23).

 

Sob este contexto, ela informa que a Ampara há 10 anos atua na preparação dos pretendentes a adoção e no acompanhamento das famílias adotivas, bem como na preparação dos cuidadores e trabalhadores da rede de apoio à causa. 

As crianças que desfilaram eram crianças acompanhadas de seus pais. Infelizmente, quempostou a matéria postou de forma equivocada e indevida. Além dessas famílias que desfilaram com suas crianças seus filhos, inclusive, uma criança com deficiência, grupos de irmãos. Teve uma que desfilou com 4 filhos

 

“Somos parceiros do Poder Judiciário. Somos pais e filhos por adoção, técnicos e simpatizantes da causa. Essa ação faz parte do projeto Família Direito de Todos Sonho de Muitos, que prevê a adoção na passarela. Essa foi a segunda edição. O que é adoção na passarela? É um desfile de famílias adotivas. Inicialmente, 15 famílias desfilaram mostrando a diversidade da construção familiar através da adoção. E o que é que se pretende com isso? Mostrar a sociedade que a adoção interracial é normal, que adoção de grupos de irmãos também pode resultar positivamente, que adoção de crianças com deficiência ou doença crônica também pode ser satisfatória”, destacou.

 

Ainda, conforme Lindacir, em Mato Grosso existem 75 adolescentes e crianças com esse perfil. E eles, revela a presidente da Ampara, também necessitam de afeto e querem amor. Apontando ainda desconhecimento da sociedade sobre essa realidade.

 

“Quando se fala em crianças institucionalizadas, as pessoas falam ‘ah, os lares, os abrigos estão cheios’. E por que que as vezes se demora para adotar? Não estão cheios. As crianças que passam por lá vão voltar para suas casas para suas famílias de origem. E são poucos que vão para adoção. Os que vão estão com este perfil e a sociedade tem que olhar. Não se pode varrer para de baixo do tapete”, dispara.

 

Esta foi a segunda edição do Adoção na Passarela. Desfilaram 13 famílias com os seus filhos. O evento foi realizado com o a aprovação das varas de infância e juventude da Justiça.

 

“As crianças que desfilaram eram crianças acompanhadas de seus pais. Infelizmente, quem postou a matéria[assessoria], postou de forma equivocada e indevida. Além dessas famílias que desfilaram com suas crianças,[uma com deficiência], houve também quem desfilou com 4 filhos”.

 

Também desfilaram 18 adolescentes que estão institucionalizados em Cuiabá e em Várzea Grande. Conforme a presidente da Ampara, esses adolescentes já passaram na lista de pretendes a adoção no Estado e ninguém quis.

 

Ela reforça que as pessoas não adotam esses adolescentes porque fogem do perfil pretendido. Para mudar essa realidade, Lindacir esclarece que existem grupos de apoios de adoção no Brasil que tentam mostrar a sociedade por meio de palestras em igrejas e escolas a importância da adoção tardia.

 

“Esse é um momento de convivência social que eles tem. O plano de convivência familiar e comunitário diz que eles têm esse direito, que eles não podem ficar trancafiados. Eles têm que sair, tem que sair tem que conviver. Como que vão ficar trancafiados até completarem 18 anos? Deu 18 anos vai para rua. E aí que experiência eles têm de vida? De convivência social. E Ampara favorece isso. A Ampara leva eventualmente para assistir filmes, faz piquinique com eles. E faz também um desfile onde eles ficam bonitos, onde eles vão junto com os padrinhos. Eles não desfilaram sozinhos. Eles vão com os cuidadores das instituição de acolhimento e passam a uma tarde e um dia gostosos. Onde eles são vistos, onde eles são aplaudidos”.

 

Afirma, ainda, que não é feita referência naquele momento (do desfile) as crianças são dessa ou daquela instituição. Reforça que as autoridades judiciárias assistiram os desfiles. Então, infelizmente, o que postou, foi postado sem conhecimento. É triste isso. É um desserviço para criança e par ao adolescente. O artigo 227 da Constituição diz que a responsabilidade de garantir os direitos da criança e do adolescente é do governo, é da família é do Estado. É de cada um de nós. Nós temos responsabilidade com essas crianças. E aqueles que estão prestando esse desserviço estão cometendo um crime”, pontua.

 

A presidente da Ampara ainda informa que as crianças são acompanhadas por psicólogos e foram consultadas se gostariam de desfilar e que ninguém impôs nada.

 

Opiniões

 

Um dos críticos ao desfile foi Eduardo Mahon. Jurista, poeta, escritor e ligado às questões culturais de Mato Grosso, ele fez uma postagem em forma de desabafo no Facebook.

“Parece-me uma antiga feira de escravos, onde os senhores viam os dentes e o corpo dos africanos para negociar o lance. Não acho legal, aliás, acho péssimo”, disse ele.

 

Comentário que foi rechaçado pelo jornalista Jones Martinho. Pai adotante de duas crianças, uma delas de adoção tardia, que se posicionou contra a postagem de Mahon e apoiou a iniciativa da Ampara.

 

“Não se aplica ao evento a superexposição que foi dita por alguns, dentre eles o jurista Eduardo Mahon. A iniciativa da Ampara em querer de alguma forma fazer com que estas crianças ganhem um lar foi grandiosa, já que o índice de crianças acima de cinco anos, que não são adotadas, por não preencherem os requisitos são enormes. Assim, a iniciativa da ampara não teve este viés, muito pelo contrário”, disse o jornalista ao Site O Bom da Notícia.

 

Nessa linha de discussão, ele cita dados que apontam que no Brasil existem 43 mil candidatos a pai e mãe adotivos, mas que apenas 5% desses 43 mil querem crianças acima de 5 anos ou mais. “Ou seja, a maioria das crianças aptas a serem adotadas no Brasil que estão em abrigos, são crianças com mais de cinco anos de idade. Esse é o dado do cadastro nacional da adoção que é mantido pelo governo. Então, eu acho que o advogado precisa vivenciar melhor a experiência dele. Eu sou pai adotante de duas crianças. Uma delas adoção tardia e eu sei o quanto é sofrido. Muito mais do que estar “expostos no shopping” é sofrido você ficar sem referência familiar”, comenta.

 

Assim, sugeriu que o advogado Eduardo Mahon busque algo para mudar essa realidade.

 

“Dizer também que a criança vai estar bonita e cheirosa para ser escolhida ou superexposta ou dizer que instituições se revoltaram contra a situação é muito fácil, diante de um problema que já vem se alastrando há anos e ninguém age. Quando a Ampara provoca algo que pode dar às crianças abandonadas um lar, dignidade, afeto e carinho, é criticada”, finaliza.

 

REPERCUSSÃO NACIONAL

Além da enxurrada de críticas feitas por internautas, o jornalista Paulo Henrique Amorim, no site Conversa Afiada, também se posicionou: “Quando se pensa que o Brasil é capaz de tudo, aparece uma inovação alucinada: uma passarela para que crianças de 4 a 17 anos desfilem diante de futuros pais como se fossem modelos! Seguramente, a ideia deriva da SP Fashion Week, com a coreografia e o know-how da cultura do espetáculo com que a Globo contaminou o Brasil”.

O ex-presidenciável Guilherme Boulos (Psol) usou o Twitter para informar sobre o que considera uma "perversidade". “A "passarela da adoção", em Cuiabá, expondo crianças de 4 a 17 anos para a escolha dos pretendentes é de uma perversidade inacreditável. Os efeitos psicológicos da exposição, expectativa e frustração dessas crianças podem ser devastadores, ainda que a intenção tenha sido outra”.

Ex-deputada e candidata derrotada à presidência da República, Manuela D'Ávila (PCdoB) disse no seu Facebook: “acho que essa é uma das notícias mais tristes que li. Crianças numa passarela, cheias de sonhos e desejos, buscando a aprovação a partir de um desfile, como se para amar um filho tivéssemos que admira-lós fisicamente”.

A polêmica gerou até uma petição on line contra o desfile. 

Atualmente, há 75 crianças e adolescentes disponíveis para adoção e 953 pessoas habilitadas.