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ARTIGOS Segunda-feira, 12 de Março de 2018, 15:38 - A | A

Segunda-feira, 12 de Março de 2018, 15h:38 - A | A

Dia da Mulher: Uma trajetória de lutas

Sebastião Carlos Gomes de Carvalho

Todas as datas comemorativas tendem a perder no transcorrer do tempo o sentido original de sua celebração. Se não perdem de todo, seguramente elas se diluem em seu significado mais expressivo. Diferente não deixaria de ser com o Dia Internacional da Mulher, comemorado neste 8 de março. Muitas vezes o sentido festivo, aí incluído um caráter comercial, esconde a força imagética do que motivou o nascimento dessa comemoração. A verdade é que não existe uma data comemorativa importante que não tenha surgido como fruto de lutas, sacrifícios, sangue, lágrimas, e por vezes, esporádicas alegrias.         

 

Diferentemente não foi com este Dia Internacional dedicado às mulheres, ainda que todos os dias devessem sê-lo.         

 

Muito embora desde o fim do século XIX, mulheres operárias, sob o impulso das ideias socialistas que ganhavam campo tanto na Europa como nos Estados Unidos, começaram a se unir em torno de movimentos operários, apresentando bandeiras especificas de defesa de seus direitos pela igualdade de salários e condições de trabalho. As duras jornadas de quase 15 horas diárias de trabalho e salários insignificantes, que atingiam também muitas crianças, levaram a uma crescente manifestação, com ressentimentos acumulados desde os primórdios da Revolução Industrial. Em maio de 1908, cerca de 1500 mulheres cruzam os braços e aderem massivamente pela primeira vez a uma manifestação de trabalhadores. O Partido Socialista dos EUA promove um protesto no centro de Nova York, o maior até então havido. A greve terminou em novembro de 1909 e contribuiu para o fechamento de mais de 500 fábricas têxteis. O dia 28 de fevereiro é colocado no calendário do movimento socialista como o Dia Nacional da Mulher         

 

No ano seguinte, é realizada em Copenhague uma Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, com representantes de 17 países, na qual se discute, além da necessidade do direito de voto feminino em diversas nações, a proposta da alemã Clara Zetkin da criação de uma data anual comemorativa das lutas femininas. Mas um marco decisivo para a luta feminista no mundo é fruto de uma tragédia. No dia 25 de março de 1911, uma indústria têxtil de Nova York, por suas péssimas condições de instalações, pega fogo, e no incêndio morrem carbonizadas mais de 100 operárias. Esse fato trágico marcaria a trajetória das lutas operárias pelas décadas seguintes. Protestos eclodem em todo o mundo. Em 8 de março de 1917, [23 de fevereiro no antigo calendário Juliano] mulheres russas, sob o lema “Pão e Paz”, organizam em Moscou uma manifestação gigantesca contra o Czar Nicolau II, lutando contra as más condições de trabalho, exigindo comida e liberdade e criticando a participação da Rússia na Guerra Mundial [1914 – 1918]. O movimento é brutalmente reprimido, com dezenas de mortos, e tem imediata repercussão interna e no exterior.         

 

Em nosso país, as manifestações em prol dos direitos das mulheres surgem nos primeiros anos do século passado, em meio aos sindicatos, jornais e grupos anarquistas, sobretudo em São Paulo. O tema era o mesmo: melhores condições de trabalho e de salários. Os movimentos revolucionários que eclodiram nas décadas seguintes dão mais um tema para a luta das mulheres: o direito ao voto. E esse objetivo seria alcançado na Constituição, outorgada por Getúlio Vargas, em 1932.         

 

A grande manifestação das mulheres russas, dada a sua magnitude e a influencia dos sindicatos socialistas na Europa, passou, em 1921, a ser considerada pelos meios operários como o Dia Internacional da Mulher. Mas foi só 24 anos mais tarde, que a ONU a tornou oficial e o primeiro acordo internacional, afirmando princípios de igualdade social, politica e econômica entre homens e mulheres, foi firmado.         

 

A década de 1960 foi, por assim, dizer os “anos de ouro” do movimento feminista. As reivindicações se alargam para além do campo trabalhista, para lutar por direitos nas áreas do comportamento e costumes, com um lema empolgante, o do direito de “a mulher ser dona de seu próprio corpo”. O ano de 1975 marca a primeira comemoração oficial do Ano Internacional da Mulher. No Brasil, o estado de São Paulo esteve na frente do reconhecimento dos direitos femininos como, por exemplo, quando cria, em 1982, o Conselho Estadual da Condição Feminina e, em 1985, com o surgimento da primeira Delegacia Especializada da Mulher.         

 

Neste contexto, o 8 de março, embora com todas as conquistas e avanços legais e sociais é uma data importante para a reflexão para debater as discriminações e violências sejam físicas, morais ou sexuais ainda sofridas pelas mulheres.         

 

Para encerrar, é preciso ressaltar que, em cada país e em cada época, existiram mulheres que estiveram à frente de seu tempo, embora lutando contra dificuldades e obstáculos hoje inimagináveis. Algumas se destacaram em movimentos que contribuíram para mudar o mundo em que viviam. Algumas se tornaram ícones de seu tempo. Hoje, nem sempre lembradas e celebradas. Lamentavelmente. Enumerar essas figuras será sempre correr o risco de estar deixando uma lacuna. Mas, o leitor e a leitora certamente me ajudará a completar esse painel honroso.

 

Para ficarmos em fato mais recente, como não nos lembrarmos de uma costureira que se tornou o símbolo do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos ao se recusar, em 1955, a ceder seu lugar num ônibus a um branco. Isso, no Estado do Alabama, era contrariar a lei. No entanto, Rosa Louise McCauley, que se tornou conhecida como Rosa Parks, desafiou a lei e seu inusitado ato de resistência resultou na sua prisão, sendo o estopim para varias manifestações violentas. Foi o inicio da luta antissegregacionista. É claro que ela sofreu as duras consequências do ato, recebendo ameaças de morte e tendo enormes dificuldades em conseguir emprego. Posteriormente receberia o apoio de Luther King e durante todos os anos 60 teve destacada participação politica. Faleceu em 2005.         

 

No Brasil, existe uma enorme plêiade de mulheres bravas, de fibra e destemidas que marcaram época e estiveram à frente de seu tempo. Para mim, uma das maiores foi certamente Bárbara Heliodora [1759 – 1819]. Culta, é tida como a primeira poeta brasileira, foi casada com o também poeta Alvarenga Peixoto. Mãe solteira, numa época em que isto era um grave desafio à sociedade e à Igreja, e mesmo depois de casada fez questão de manter o nome de solteira, outro desafio. Quando foi descoberta a Inconfidência Mineira, na qual teve participação ao lado do marido, que, em determinado momento quis se afastar do movimento, e por ela foi convencido do contrário, Bárbara enfrentou com dignidade todos os percalços de ser casada com um conjurado que, em 1789, foi preso em São João Del Rey e levado para o Rio de Janeiro e de lá degredado para a África, de onde nunca mais voltaria. Bárbara Heliodora nunca deixou de sofrer perseguições do governo, que lhe criava todos os tipos de dificuldades. Nem assim, se dobrou.         

 

Há outros exemplos; claro que há. Mas agora vamos a algumas curiosidades. A primeira mulher eleita no Brasil, e na América Latina, foi Luíza Alzira Soriano Teixeira. Viúva, em 1928, aos 32 anos, disputou pelo Partido Republicano as eleições para a prefeitura de Lajes, município do Rio Grande do Norte. Venceu com 60% dos votos e tomou posse em 1º de janeiro de 1929. O curioso é que nessa época as mulheres não tinham direito ao voto. O que só conseguiriam em 1932. Em 1934, a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz foi eleita para a Assembleia Constituinte, sendo a primeira mulher deputada federal.

 

O Rio Grande do Norte foi também o primeiro a eleger uma deputada estadual, a professora Maria do Céu Pereira Fernandes, eleita em 1934. Outra grande liderança feminina tentou a eleição pelo Distrito Federal, ficando como suplente e só assumindo em 1936 com a morte do titular. Trata-se da cientista Bertha Lutz, que se tornaria conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. Formada em biologia na Sorbonne, onde participou de movimentos feministas que então surgiam, teve uma destacada atuação como cientista e politica. Em 1918, ao ingressar por concurso público no Museu Nacional, foi a segunda mulher a entrar no serviço público brasileiro. Em 1919, seria uma das fundadoras da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, que foi o embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino - FBPF.         

 

Em Mato Grosso a primeira deputada estadual foi Oliva Enciso, eleita em 1958, pela UDN, e a primeira prefeita, Sarita Baracat, eleita em 1966, pela ARENA, para a prefeitura de Várzea Grande.         

 

Enfim, as mulheres com determinação e fibra, despojamento e dedicação estão realizando o que uma de nossas grandes poetas contemporâneas, Cora Coralina, predisse:          Eu sou aquela mulher   que fez a escalada da montanha da vida  removendo pedras  e plantando flores.         

 

Essas merecem que celebremos o Dia Internacional das Mulheres.

 

Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e professor. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás