Quarta-feira, 12 de Novembro de 2025

ARTIGOS Quarta-feira, 12 de Novembro de 2025, 10:55 - A | A

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Nailton Reis

Dopamina, Tadalafila e o Corpo em Colapso: o prazer roubado pela dependência química

A dependência química é uma das expressões mais devastadoras do colapso entre corpo, mente e meio. Quando olhamos para o cérebro, vemos que ele funciona por meio de pequenos mensageiros químicos, os neurotransmissores, responsáveis por transmitir sinais entre os neurônios. Eles controlam nossas emoções, decisões, comportamentos e sensações. Entre esses mensageiros, a dopamina ocupa um lugar de destaque. Ela é o neurotransmissor do prazer, da motivação e da recompensa, o responsável por nos fazer buscar aquilo que consideramos bom.

Neste artigo, dedicado a discutir a dependência química e seus impactos nas dimensões biológica, psicológica e social.

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Quando realizamos algo que nos traz satisfação, como comer, rir, conquistar ou ser amado, o cérebro libera dopamina, sinalizando que aquela experiência é positiva e merece ser repetida. É um mecanismo natural, essencial à sobrevivência. Mas as drogas sequestram esse sistema. Elas provocam uma descarga artificial e intensa de dopamina, muito maior do que o cérebro consegue produzir sozinho. Essa explosão química cria uma sensação de euforia tão poderosa que o cérebro grava essa experiência como prioridade absoluta: “isso é prazer, repita isso”.

Com o tempo, o organismo reduz a produção natural de dopamina, tornando-se dependente da substância para sentir prazer. A vida comum, o abraço, a comida, o sexo e o riso deixam de gerar o mesmo impacto. E é aqui que a dopamina mostra seu lado cruel: ela transforma o prazer em prisão. O sujeito já não busca mais a alegria, mas o alívio. Não deseja viver, deseja repetir.

É nesse ponto que os efeitos fisiológicos se tornam dramáticos. Em grande parte dos casos de dependência química, especialmente entre homens, há perda progressiva da excitação física, levando à disfunção erétil. O homem sente o desejo emocional, quer estar com a parceira, está presente, há o toque, há a vontade, mas não há a resposta corporal. O sistema dopaminérgico, saturado e desregulado, impede que o estímulo sexual natural desperte prazer suficiente para provocar ereção.

Mesmo com o uso de medicamentos como tadalafila, sildenafil (Viagra) e outros fármacos amplamente eficazes para a maioria dos homens, a resposta sexual não acontece. A fisiologia está comprometida. O corpo, antes treinado para reagir ao toque, agora só reconhece a recompensa química da substância. O prazer, antes humano, passa a ser químico.

E o mais devastador é que, na maioria das vezes, há a presença, mas não há a troca real. O corpo está ali, o toque acontece, mas o vínculo, que é o que realmente humaniza o prazer, se rompe. O homem acredita estar vivendo uma relação, enquanto o outro percebe apenas distância. A droga, nesse momento, se torna o verdadeiro objeto de desejo. E quando um parceiro é dependente e o outro não, o que deveria ser encontro se transforma em ausência. É um balde de água fria que esfria não apenas o corpo, mas a intimidade e o afeto.

Mas o pior de tudo é que, no auge da dependência, o sujeito não percebe. Ele sente prazer. Ele acredita estar no controle. Para ele, o corpo ainda responde, a mente ainda escolhe e o prazer ainda existe. Só depois, quando a lucidez retorna, é que ele entende o tamanho da perda. E é nesse ponto que a psicologia encontra sua voz.

Então, se você consegue compreender isso agora, esse é o momento de lutar contra esse ciclo. Relações afetivas, vínculos reais e a capacidade de sentir prazer no contato com o outro são o que nos torna humanos. Seu corpo pode e deve reagir às relações amorosas, à presença e ao toque. A dependência química não é o fim da sensibilidade, é um desvio temporário do caminho natural da vida.

A psicologia pode ajudar a reconstruir esse caminho. Através do processo terapêutico, é possível ensinar o cérebro a reencontrar o prazer real, fortalecer os laços afetivos e devolver ao corpo o direito de sentir. Entender o papel da dopamina, reconhecer o impacto da substância e buscar ajuda são passos de coragem.

O prazer roubado pode ser recuperado. E o primeiro passo é perceber que o verdadeiro prazer não está na substância, está na vida.

Nailton Reis é Neuropsicólogo Clínico com especialização em Neuropsicologia Cognitiva Comportamental, Avaliação Psicológica e Psicologia do Trânsito em Cuiabá-MT
CRP 18/7767