Estamos em março e dentre as campanhas de conscientização e datas comemorativas uma merece destaque – o Dia Internacional da Mulher, incluindo um mês inteiro de debates, discussões e posicionamentos dos mais diferentes tipos.
As novas gerações já se habituaram a homenagear e presentear mulheres que fazem parte dos seus ciclos, são mães, namoradas, esposas, amigas, colegas de trabalho, colaboradoras que de acordo com os discursos sociais merecem respeito, admiração e cuidado.
O comércio também investe em muitas campanhas de publicidade com objetivo de aumentar as vendas neste período, produtos como bombons, flores, perfumes são os mais comercializados. Presentear uma mulher neste dia poderia ser considerado um comportamento cultural, reproduzido sem que discussões críticas sejam realizadas, visto que as gerações atuais podem não ter conhecimento dos fatos históricos sobre essa data.
Embora as questões e fatos históricos que envolvem esta data sejam de extrema importância, gostaríamos de discutir de forma crítica um problema que nos afeta de diferentes formas, em diferentes contextos: a violência contra as mulheres.
De acordo com dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), disponíveis no site do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, no primeiro semestre de 2022, a central de atendimento registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres.
Já o número de feminicídios registrados foram os mais altos dos últimos anos uma média de quatro mulheres foram assassinadas diariamente neste mesmo período no território brasileiro. A violência contra a mulher é recorrente e aprisionante, abala a autonomia, destrói a autoestima e diminui a Qualidade de Vida, além de trazer consequências à estruturação pessoal, familiar e social.
É importante ressaltar que estes números, que já são alarmantes podem não corresponder a realidade, devido as subnotificações. Muitas vítimas de violência não chegam a denunciar seus agressores e os motivos podem ser diversos. Infelizmente ainda temos uma cultura que romantiza e naturaliza alguns comportamentos que podem dar indícios do início de um ciclo de violência.
Algumas frases como: “minha mulher”, “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, “meu marido não deixa”, “ciúme é sinônimo de amor e cuidado” entre outras ainda são reproduzidas e refletem um problema social grave.
A violência pode ser caracterizada por qualquer ato de agressão ou negligência à pessoa, ao grupo ou à comunidade, que produz ou possa produzir dano psicológico, sofrimento físico ou sexual, inclui ameaças, coerção ou privação arbitrária de liberdade, tanto em âmbito público como no privado. Neste sentido a violência contra a mulher pode incluir: violência patrimonial que ocorre quando, por exemplo, essa mulher é impedida de trabalhar ou se profissionalizar aumentando sua dependência do companheiro, sexual quando é obrigada a ter relações sem seu consentimento, mesmo que com o companheiro, física e talvez a mais sutil que é a violência psicológica.
Um relacionamento amoroso não começa com brigas e agressões físicas ou assassinatos, muitas vezes os agressores demonstram inicialmente comportamentos excessivamente cativantes, são aparentemente atenciosos, românticos, induz a vítima a acreditar que a sua relação é a melhor que poderia ter, mas podem esconder a falta de sentimentos pela vítima, restrições emocionais, insegurança e comportamento controlador.
Falas que incluem acusações, julgamentos e culpa, podem gerar na vítima baixa autoestima, medo, insegurança, passividade e angústia. De forma sutil o abusador proíbe a vítima de falar com familiares e amigos, estudar, viajar, causando o isolamento dessa mulher; vigia constante, o abusador busca controlar a rotina e exige que a vítima reporte a ele tudo o que faz, geralmente ligam a todo o tempo e aparecem de surpresa nos lugares, além de controlar as roupas que a mulher usa; ridiculariza e diminui a autoestima da vítima, com piadas que a faça se sentir inferior; distorce e omite fatos que deixam a mulher em dúvida sobre sua inteligência, memória e sanidade.
Caso a mulher questione seu comportamento o abusador se desculpa com mensagens e falas românticas, a presenteia, promete mudança e assim inicia o que chamamos de “Ciclo da violência”. A cada vez as violências se intensificam até que em muitos casos chegam ao assassinato da vítima. Não são apenas as relações amorosas que podem ser abusivas, mas, os índices apontam que são as mais problemáticas.
Os danos causados à saúde emocional das vítimas de violência não são poucos. A reincidência dos abusos, principalmente os psicológicos podem iniciar uma reação estressada, explosiva, ansiosa e de culpa em relação ao abusador, inclusive gerando confusão de sentimentos na vítima, que muitas vezes acreditam ser as responsáveis pelo comportamento do abusador.
Com o passar do tempo, a vítima de violência pode desenvolver distúrbios como: crises de ansiedade, baixa autoestima, retraimento social e consequentemente, isolamento, que pode evoluir para casos mais graves como a depressão.
Cabe ressaltar que as consequências da violência contra a mulher afetam também os familiares da vítima, que podem sofrer pelo sentimento de impotência por não conseguirem tirá-la dessa situação, pois, muitas não se percebem em uma relação abusiva.
O tema embora apresentado constantemente nas redes sociais e jornais apresenta complexidades, pois, constantemente vemos reportagens sobre diferentes formas de violências contra as mulheres, mas, mesmo com leis e a ampla discussão sobre as problemáticas os índices nos mostram uma possível não efetividade, o que nos leva a insistir não apenas em campanhas, mas também em programas que atendam todos os envolvidos no ciclo de violência, os abusadores/agressores também precisam de acompanhamento multiprofissional.
Ao se identificar em um relacionamento abusivo é importante que a vítima procure ajuda profissional. O acompanhamento psicológico pode auxiliar no fortalecimento emocional e orientações para que essa mulher encontre caminhos para sair de uma relação abusiva e muitas vezes violenta.
Andreia de Fátima de Souza Dembiski é Psicóloga Clínica