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O BOM DA VIDA Quarta-feira, 08 de Abril de 2020, 12:44 - A | A

Quarta-feira, 08 de Abril de 2020, 12h:44 - A | A

CUIABÁ, MUITO PRAZER !

Foram muitos os ‘paus-rodados’ que vieram para a Capital e se tornaram ‘paus-fincados’

Luiz Fernando Vieira

Na década de 1960, o imortal Gervásio Leite definiu Cuiabá numa de suas obras como uma ‘terra agarrativa e linda’. Muitos outros nomes bem conhecidos da cidade também usaram o adjetivo para se referirem a ela. Assim como é grande o número de pessoas que a enalteceram em seus versos e prosas.

As justificativas são muitas, mas a verdade é que parece haver um elemento que não é palpável, um magnetismo, um sentimento que se tenta definir, mas talvez não haja palavras que possam fazê-lo. E não se trata somente de uma atração que é natural de quem nasceu nesta terra, cujas raízes estão entranhadas na capital mato-grossense há gerações.

Foram muitos os ‘paus-rodados’ que vieram para a Capital e se tornaram os chamados ‘paus-fincados’ - ganhando até Rasqueado pelas mãos da dupla Vera & Zuleica -, que dedicou sua arte a tecer elogios à nova casa. A dupla mesmo tem um exemplo interessante nesse sentido, pois Vera Baggetti é uma carioca que se juntou à cuiabana Zuleica Arruda para pesquisar e manter viva a musicalidade típica da cidade com seu grupo Sarã ou com eventos como o I Encantação Mato Grosso, no início da década de 1990. 

Cuiabá comemora hoje 301 anos de muita tradição e cultura

Suas composições revelam alguns desses atrativos, como Casa de Bem Bem: “Eu me orgulho de ser um cuiabano / De ‘Tchapa e cruz’, confesso e não me engano / Moro na pracinha perto da Prainha / Sento na praça para ver as moreninhas / Gosto de amargo, Ventrecha de Pacu / Mojica de Pintado e Bagre ensopado/ Danço rasqueado na casa de Bem-Bem / como bolo de arroz e de queijo também ”

Outro grande defensor da cultura local e um apaixonado por Cuiabá que também não nasceu na cidade é o poeta e compositor Moisés Martins. São do campo-grandense alguns dos mais importantes rasqueados e versos dedicados à cultura local. Suas letras estão impregnadas de admiração pela Capital.

Eu me orgulho de ser um cuiabano De ‘tchapa e cruz’, confesso e não me engano Moro na pracinha perto da Prainha Sento na praça para ver as moreninhas Gosto de amargo, Ventrecha de Pacu Mojica de Pintado e Bagre ensopado Danço rasqueado na casa de Bem-Bem Como bolo de arroz e de queijo também

Canções como Pixé, Furrundú e outras dedicadas aos becos e ruas, ou mesmo ao prazer de deitar-se no aconchego de uma rede cuiabana, foram maneiras que encontrou de enaltecer o que lhe saltava aos olhos, realçando suas características culturais. “Desde garoto vejo que Cuiabá é uma cidade de braços abertos, hospitaleira, que é muito difícil dizer não para uma pessoa. Eu senti que através da música, da letra de uma música você pode perpetuar a história de uma cidade. Cuiabá é uma cidade altamente musical. Não tem grandes teatros, etc, mas em cada bairro que você vai tem um barzinho, alguém cantando, declamando, falando alguma coisa de Cuiabá. É a democratização da cultura", frisa o músico que também se dedicou a registrar a história dos tipos populares como Maria Taquara e Antônio Peteté.

Outra sul-mato-grossense que se apaixonou pela cultura local e dedica sua carreira a cultivá-la é Vera Capilé. Nascida em Dourados e comemorando 25 anos de carreira, a cantora e compositora conta que chegou a Cuiabá com 11 anos e ao longo do tempo foi percebendo suas riquezas.

“Me encantei primeiro com os sons! Das vozes faladas, das cantadas, do sotaque, desta cantoria brilhante que vibra aqui! Depois foi o folclore! Lindo, colorido, dinâmico. Graça que encanta! E veio o verde que tínhamos muito! Tudo foi me prendendo, agarrando com o musgo verde limão que se prende nas pedras, nas árvores’”, conta.

Vera lembra que todos os irmãos moraram um tempo fora da cidade, mas ela não conseguiu. “Já tive convites, muito bons por sinal para a minha carreira, mas teria que morar fora! Difícil! Tanto amo Cuiabá que meu primeiro CD foi em sua homenagem: Um Canto de Amor a Cuiabá!' A cantora reconhece que ainda há muito o que progredir em termos de saneamento, meio ambiente, educação, saúde, cultura, além do calor por vezes sufocante, mas nada disso é capaz de diminuir o amor que sente. ‘Cuiabá é calorosa. É a cidade que escolhi pra ficar sempre!”, finaliza.

Reprodução

ceu, céu, Cuiabá, Cuiabá, MIGUEL SUTIL, CENTRO

 

Para o advogado e escritor Eduardo Mahon, o mito da ‘cabeça de Pacu’ é verdade. ‘Talvez porque Cuiabá esteja numa depressão, e que a força da gravidade realmente seja mais intensa no centro da depressão, que é a Baixada Cuiabana. Talvez seja o fato de ser o Centro Geodésico’, supõe.

Acredita que exista um certo magnetismo, algo realmente mágico. Mas identifica atrativos que são próprios da forma como os cuiabanos recebem as pessoas. ‘Cuiabá ainda vive em comunidade. Essa noção comunitária que existe, muito própria do índio, que é aliás muito interessante nessa pós-modernidade, acho que é aí que está o mistério. Aí é que está o elã. Nós nos comportamos de maneira diferente’.

O paranaense Murilo Alves, maestro e presidente do Instituto Ciranda - Música e Cidadania, até transformou o amor que tem por Cuiabá numa composição, mostrada recentemente ao público para comemorar seus 301 anos: Rapsódia Para Uma Cidade. O regente escreveu a partitura inspirado nas singularidades da Cidade Verde que já haviam conquistado seu avô. Lembra que até hoje ouve dele pedidos para que a família nunca a deixe.

“É um lugar de pessoas acolhedoras, sei que é meio clichê, ‘Cuiabá hospitaleira’ é quase um bordão. Mas de fato existe um calor hospitaleiro que a gente sente na prática. Acontece, é real”, reconhece.

Segundo Murilo, esse acolhimento pode ser sentido também nas ações sociais como as desenvolvidas pelo Instituto Ciranda. “Estou há 15 anos no projeto e como presidente há 8 anos vejo que a gente tem conseguido trabalhar, ofertar música para tantas crianças, de uma maneira tão surpreendente, graças ao apoio de todos, que na minha leitura reflete essa coisa original da alma da sociedade cuiabana. O nosso projeto conseguiu chegar até aqui muito por conta disso e nós seremos eternamente gratos”’.

Para Murilo, esse aspecto se soma a vários outros que tornam tão difícil deixar Cuiabá. “Não é uma cidade tão grande, mas tem uma dinâmica de funcionamento que me agrada, que tem um viés noturno muito forte. Tem outra coisa que me atrai muito que é a proximidade com o verde. Ela está inserida no meio de recursos naturais preservados por lei, gosto muito do Pantanal, de Chapada dos Guimarães. Estou numa capital que tem acesso a tudo que uma capital tem, mas está a 30 minutos tudo isso. E depois tem as manifestações culturais, toda essa gama de possibilidades artísticas, especificamente na minha área, que é a música. Tudo isso me faz acreditar cada vez mais e levar adiante essa bandeira pelo viés da música, da cultura”, conta o músico.