Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2025

ARTIGOS Terça-feira, 23 de Dezembro de 2025, 14:37 - A | A

Terça-feira, 23 de Dezembro de 2025, 14h:37 - A | A

Velma Venturelle

Estamos adoecendo os homens em nome da força

O homem contemporâneo não foi ensinado a falhar. Ele foi treinado para resistir. Resistir ao cansaço, à dor, ao medo, à dúvida. Durante séculos, essa resistência foi necessária. O homem protegia, sustentava, enfrentava riscos. A força masculina nunca foi um problema. O problema começa quando essa força deixa de ser escolha e passa a ser obrigação absoluta, sem espaço para limites, escuta ou cuidado.

Hoje, o discurso apenas mudou de forma. Já não se diz somente que homem não chora. Diz-se que ele precisa prover, pagar contas, liderar, sustentar emocionalmente a família, performar no trabalho e manter o corpo produtivo. Tudo isso sem parar. Sem demonstrar fragilidade. Sem pedir ajuda. O mesmo discurso que exige força contínua é o que costuma se afastar quando esse homem começa a falhar.

Na prática clínica e na escuta cotidiana de homens, esse padrão se repete com frequência. Eles chegam exaustos, mas funcionais. Continuam trabalhando, entregando resultados e sustentando rotinas, mesmo quando já perderam o controle da própria vida emocional. Muitos não sabem dizer quando começaram a se perder. Apenas seguem, até que o corpo ou a mente interrompam à força aquilo que eles nunca se permitiram pausar.

A saúde mental masculina adoece nesse silêncio. Não porque os homens sejam fracos, mas porque foram ensinados a ignorar os próprios sinais. Ansiedade, irritabilidade constante, ganho de peso, isolamento emocional e comportamentos compulsivos não surgem do nada. São respostas de uma mente que ficou tempo demais sem escuta e de um corpo que precisou gritar para ser percebido.

Kevin Berthia é um desses homens. Em um dos momentos mais críticos de sua vida, o americano, permaneceu do outro lado de uma grade. Durante 90 minutos, um policial ficou ali com ele. Não deu ordens. Não elevou a voz. Não apressou o tempo. Apenas ouviu. Permaneceu presente, sustentando aquele homem com atenção e escuta. Aquela conversa criou algo novo. Um vínculo. O homem que escutou deixou de ser apenas uma autoridade e se tornou irmão. Aquele dia, que parecia o fim, deixou de ser ruptura e passou a ser recomeço.

Esse episódio revela algo que vejo diariamente. O que mantém muitos homens vivos não é a cobrança por força, mas a possibilidade de serem ouvidos sem julgamento. A escuta devolve o homem a si mesmo. Ela reconstrói o senso de controle que foi perdido no excesso de responsabilidades não compartilhadas.

Os números confirmam o que a prática mostra. Todas as semanas, dezenas de homens perdem a própria vida em silêncio. Aproximadamente 75% das mortes autoinfligidas atingem homens. Eles são menos propensos a pedir ajuda, menos estimulados a falar e mais pressionados a suportar. Falar salva vidas, mas ainda educamos homens para o isolamento emocional.

Cuidar da saúde mental masculina não enfraquece o homem. Fortalece. Um homem emocionalmente saudável continua sendo forte, responsável e presente. A diferença é que agora ele decide com clareza, reage com consciência e lidera sem estar emocionalmente esgotado. Ele entende que força não é ausência de dor, mas a capacidade de reconhecê-la antes que ela destrua tudo ao redor.

A escuta é o ponto de virada. Homens precisam de espaços onde possam falar sem ironia, sem deslegitimação, sem a exigência imediata de solução. Precisam compreender que cuidar da mente não os afasta da masculinidade, pelo contrário, os reconecta com ela. Um homem que se conhece protege melhor, lidera melhor e vive melhor.

Se quisermos homens verdadeiramente fortes, precisamos parar de exigir que eles sejam invencíveis. Saúde mental masculina é pauta de responsabilidade social, familiar e humana. Antes de qualquer papel, o homem é um ser humano. E todo ser humano precisa ser escutado.

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