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CIDADES Segunda-feira, 17 de Agosto de 2020, 14:18 - A | A

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"AMIGOS ATÉ O FIM"

Amigos apontam mortes de Adir, Marília e Rodivaldo como perdas irreparáveis

Marisa Batalha/Vivian Nunes/O Bom da Notícia

Em apenas um mês, não só Mato Grosso, como também o Brasil perderam três nomes de importância inquestionável na arte e na cultura: a professora e escritora Marília Beatriz, o jornalista e, igualmente, escritor Rodivaldo Ribeiro e esta semana, o artista plástico Adir Sodré.  

Marília Beatriz de Figueiredo Leite morreu no dia 03 de julho, após três dias internada no Hospital São Mateus, em Cuiabá, com o diagnóstico de uma pneumonia. Irreverente, inteligente, uma apaixonada pelas 'coisas' da vida, Marília foi uma das fundadoras da Universidade Federal de Mato Grosso. Foi chefe do Departamento de Artes, diretora do Teatro Universitário, coordenadora de Cultura e por um bom tempo responsável pelo Projeto Pixinguinha/Funarte.  

Aliás, Marília Beatriz 'era meio que tudo', tinha tantos saberes que enquadra-la como professora universitária, ou uma das grandes escritoras mato-grossenses sempre vai parecer pouco, quando por alguma necessidade for preciso identifica-la, em um ato que seja, de busca bibliográfica.  Assim, apontar que ela era ainda mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, que ocupou a cadeira nº 2 da Academia Mato-grossense de Letras, instituição que também presidiu, não a contém por inteiro, apenas desvela mais uma de suas múltiplas facetas. Pois sua pluralidade sempre esteve muito para além de todos os títulos ainda que, honrosa e merecidamente, ganhos.

Rodivaldo Ribeiro, morreu no dia 30 de julho, em sua casa, vítima de uma parada cardíaca. De gênio difícil mas, inequivocamente, uma das cabeças mais geniais do jornalismo mato-grossense, Rodivaldo era editor do site Ruído Manifesto e, paralelamente, trabalhava no site Diário de Cuiabá  Já tendo trabalhado em vários veículos de comunicação em Mato Grosso, dentre eles na Folha do Estado, na época ainda um jornal impresso, como um de seus editores e até junho foi um dos editores do site Folhamax. 

Escritor 'de mão cheia', Rodivaldo teve a sua primeira obra, o livro de ficção ‘Essa Armadilha, O corpo’, lançada pela Chiado Books, 2018, distribuído - além do Brasil -, ainda na Europa e em vários países africanos como Angola, Cabo Verde e Moçambique. Sendo o único livro de um mato-grossense lançado na Bienal Internacional de São Paulo, e um dos 291 do Brasil inteiro.

Outra perda gigante foi a morte de Adir Sodré na última segunda-feira (10). Sua saída de cena deixou a arte e cultura mato-grossense menor. Agora, sem as cores perfeitas de seus pincéis, ao brincar com seus anjos, em telas que poderiam realizar o registro da vida cotidiana nos bairros populares de Cuiabá ou transpor para suas telas toda a sua irreverência, em obras nas quais o erotismo se fazia presente.

Ele foi encontrado caído na calçada por um vizinho e não apresentava sinais vitais, após uma parada cardíaca. Considerado um dos principais artistas pela complexidade da sua arte, Adir Sodré é reconhecido em todo o país, pela irreverência e a genialidade de suas obras.  

Em apenas um mês, não só Mato Grosso, como também o Brasil perderam três nomes de importância inquestionável na arte e na cultura: a professora Marília Beatriz, o jornalista e escritor Rodivaldo Ribeiro e recentemente, o artista plástico Adir Sodré

Como uma forma de registrar no tempo, a grandiosidade destas pessoas e res[significar] a memória do próprio site, perpetuando seus nomes, como grandes informações inseridas na memória do portal, ainda que os três já estejam nas páginas da história deste Estado, O Bom da Notícia, entrevistou pessoas próximas destes ícones, como forma de homenagear essas três lendas mato-grossenses.

Assim, a reportagem do O Bom da Notícia conversou com três nomes importantes dentro do contexto da arte e cultura de Mato Grosso: a proprietária da Editora Entrelinhas, Maria Tereza Carrión Carracedo, Zeilton Mattos, um dos maiores artistas plásticos do Centro Oeste e o empresário e mecenas Heitor Corrêa da Rocha [dono de um acervo com mais de 40 das obras de Adir Sodré].   

Perdas irreparáveis dentro de um cenário de imensa fragilização emocional, com a entrada da pandemia da covid-19 no cotidiano das pessoas. Assim, obrigando a todos realizarem uma mudança enorme de hábitos em suas vidas, incluindo desde o isolamento social, até medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras e álcool gel. E, sobretudo, espalhando um imenso temor da morte por conta da disseminação rápida e da alta letalidade da infecção. Ainda que os três - Marília, Rodivaldo e Adir - não tenham vindo a óbito, vítimas do novo coronavírus. Mas como a maioria, os três mantiveram, rigorosamente, o distanciamento social, usando seus saberes como forma de driblar estes tempos sombrios.

Foto: Arquivo Pessoal

Maria Tereza Carrión Carracedo

Proprietária da Editora Entrelinhas, Maria Tereza Carrión Carracedo

Para Maria Tereza, que teve a honra de ser amiga dos três, enfrentar essas perdas em meio à pandemia a afetou profundamente.“Estamos perdendo pessoas que sempre estiveram nas trincheiras para que a arte, a cultura e a educação fossem valorizadas. Dedicaram suas vidas a esta luta, sem que fossem consideradas como deveriam. Mesmo cansadas, continuaram a nos alertar”.  

Para Maria Tereza, Rodivaldo, por exemplo, era um jornalista impaciente, apaixonado pela literatura, pela palavra, por contar histórias. 'E estava absolutamente mergulhado ao movimento junto aos jovens escritores. Tinha muita vontade de escrever, publicar e compartilhar'.  

Já com Marília, Maria Tereza estava envolvida no processo de finalização de dois livros, bem no meio da pandemia, nos meses de março, abril e maio. Os livros - Tremor essencial e Lugar do desejo: confesso? -, seriam lançados nos próximos meses pela Entrelinhas Editora. “Ela tinha urgência em publicar. Me disse repetidas vezes nas reuniões que fizemos na editora: ‘sinto que não tenho tempo’, ‘quero publicar logo’.

"Confesso que não imaginava, nem por um segundo, que na verdade ela deveria estar pressentindo algo. Essas reuniões foram momentos aprazíveis e inesquecíveis [...]Marília, a poeta e o ser humano incrível que ela era, estará sempre presente em nossas lembranças”, ainda relembra a editora, ao relembrar seus últimos momentos com a poeta e escritora Marília Beatriz.  

Já com Adir Sodré, Tereza tinha uma relação de quase 40 anos, de muita admiração e amor. “A luz que irradiava à sua volta alimentava nossas almas, com amor e beleza. Fiquei devastada com a forma como isso aconteceu. Mas quero me lembrar apenas da sua genialidade, irreverência e alegria. De suas abordagens incríveis sobre a vida e tudo à sua volta. Seu talento extraordinário. Suas mãos deslizantes sobre o papel desenhando cenários, pessoas e elementos incomuns, como jamais pude ver igual. Sua doce presença em minha vida foi sempre grandiosa”, finaliza.  

Foto: Arquivo Pessoal

Zeilton Mattos

Artista plástico, Zeilton Mattos

Já para o artista plástico, Zeilton Mattos, o isolamento social obrigou todos a viverem sob a égide de um 'novo normal', exigindo uma adaptação sofrida à uma série de mudanças. “Por estamos em um momento de pandemia, havia uma sensação ruim. Pois ficamos, obviamente, fragilizados, passando por um processo confuso, onde vivemos o tempo todo com medo e sem perspectiva segura de futuro”, pontua.  

É neste contexto que as conversas entre Zeilton e Sodré eram diárias. Entre temores, saberes e risos, diz Zeilton.

Para ele, a perda de Adir é irreparável não só para Mato Grosso, como para o Brasil, que perdeu um de seus maiores ícones.

“Conheci Adir há 20 anos, quando comecei a pintar. Além de amigo, foi um mestre e aprendi muito com ele. Tinha coração bom, alma generosa, amigo de todas as horas e também um grande exemplo de ser humano”, diz Zeilton.

Lembrando que  as pinturas do amigo eram um registro de imensa rqueza da vida cotidiana, em uma produção que inseria toda a irreverência de Adir.

“Ele é e sempre será uma referência muito importante para nós artistas, que surgimos depois dele. A sua contribuição para o desenvolvimento das artes plásticas em Mato Grosso é de muita importância. A forma e a força com que ele representou a nossa cultura dentro e fora do estado, nos deu muita visibilidade no cenário artístico, não só no Estado. Pois Adir era um artista regional, nacional e internacional, com um currículo que incluiu muitas exposições de sucesso Brasil afora e em vários países no mundo”, completa  Zeilton.  

Mecenas e amigo

(Foto: Acervo pessoal de Heitor Correa)

acervo de Heitor.jpg

 

Entre desenhos e pinturas de Adir Sodré, o empresário e mecenas Heitor Correa da Rocha, acredita que deve possuir um pouco mais 40 obras do artista.

Ainda devastado com a morte do amigo, Heitor diz que a morte do Adir Sodré 'deixará marcas na história da arte e da cultura de Mato Grosso.

"Sua morte abalou a cultura de Mato Grosso. Ele levava a arte regional além das fronteiras do Estado e do do Brasil. Era único na forma de se expressar. Inequivocamente, a arte de Mato Grosso jamais será a mesma, suas cores, sua extravagância na forma de pintar, sua generosidade o tornava singular'.

Lembrando ainda Heitor, que nesse momento para ele está imensamente difícil falar do amigo, lembrando que Adir está presente dentro de sua casa, em cada cômodo, em cada pedaço e, assim, por toda residência.

E que a perda repentina do artista tem tornado seus dias, por enquanto, muito difíceis. "Era muito fácil amar Adir e ainda mais fácil se apaixonar pela sua arte. Aliás, Adir e sua arte eram duas faces de uma mesma moeda: irreverente, contestestadora, viva , alegre, sofisticada, generosa, debochada, sensual".