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O BOM DA VIDA Domingo, 11 de Outubro de 2020, 16:30 - A | A

Domingo, 11 de Outubro de 2020, 16h:30 - A | A

OUSADIA NA ARTE

Artista plástico aposta em corpos nus para apontar o medo da morte com pandemia

Marisa Batalha/Vivian Nunes/O Bom da Notícia

Foto: Arquivo Pessoal

Valques Pimenta

Valques Pimenta, de 38 anos, é artista plástico

A arte é o elo entre a emoção e a expressão e ao unir as duas características, o resultado final é sempre a beleza. E a sensualidade não foge à regra, assim, seguindo a mesma essência. Muito embora, possa ser apresentada em um outro contexto e retratada por outros meios.

Assim, em um mundo artístico onde alguns ainda temem explorar em suas telas, a beleza sensual, o artista plástico cuiabano Valques Pimenta, de 38 anos, vem realizando uma ousada busca pelo corpo nu. Em uma nova fase e, de forma cautelosa, o pintor Naif vem inserindo novos elementos em sua produção artística, baseando-se na vida de homens e mulheres neste período da pandemia. 

Contudo, ao realizar 'conjecturas de alcova', e ao transpor para a tela, corpos nus - imposto ou 'oferecido' com a obrigação do isolamento social - e, claro, a transgressão destas regras, o artista condiciona a sensualidade, ao temor pela morte.

Assim, suas telas, algumas enormes, se revelam em atos libidinosos, fartos de sexo, mas todo o tempo visitado e revisitado pela morte. Mostrando que o processo criativo de Valques inseriu o medo paralisante de um vírus [Covid-19], de disseminação fácil e de alta letalidade. Entretanto, esta morte não chega de forma consensual em suas telas, muito antes, se aproxima do 'olhar voyeur'. Assim, um olhar que, igualmente, observa 'com um certo prazer' estes corpos nus. Mas ali, paralelamente, nas telas, a morte permanece impiedosa e de olhos vigilantes, para não deixar que os mais incautos esqueçam do elevado número de pessoas que já morreram em decorrência do coronavírus.

Com mais de 32 anos convivendo com a arte, o artista plástico cuiabano Valques Pimenta expandiu e deu visibilidade ao seu trabalho projetando-o em níveis nacional e internacional.

Com mais de 32 anos convivendo com a arte, o artista plástico cuiabano Valques Pimenta expandiu e deu visibilidade ao seu trabalho projetando-o em níveis nacional e internacional. Em uma trajetória interessante, onde transformou pinceladas naifs - em composições intricadas e bem elaboradas -, deixando [ao lado, não de lado] o conceito das linhas e formas simples, caracteristicas do primitivismo.

Assim, desvelando um interessante refinamento em seu processo criativo, e ousadia em suas pinceladas, ao imprimir cenas cotidianas cada vez mais bem elaboradas. Desvelando a alma de um artista que não se satisfaz com calmaria. Ao contrário, ao perseguir - não os traços do pai, o internacionnalmente conhecido Nilson Pimenta -, mas o conceito de sua arte, Valques vai, ininterruptamente, sedimentando seu caminho. Sem esconder, entretanto, as marcas dos saberes de um menino que com seis anos 'espiava' o pai, professor de artes durante anos na Universidade Federal de Mato Grosso e naquele ambiência de criação, encontrando o seu próprio jeito de criar e recriar a beleza.

Uma trajetória que não deve ter sido fácil para o artista, que levou anos para se desplugar dos traços e visibilidade do pai, Nilson Pimenta - considerado um dos 40 melhores artistas populares do mundo em 2012, pela Fundação Cartier para a Arte Contemporânea em Paris - e que veio a óbito em 23 de dezembro de 2017, em decorrência de uma parada cardíaca, em Cuiabá.  

Valques Pimenta tem - de forma cautelosa -,  inserido novos elementos em sua produção artística, baseando-se no período da pandemia

Mas foi em abril deste ano, já com a entrada em cena da pandemia, que começou a produzir obras que expressam a sensualidade humana. “Apostei na sensualidade em um momento de pandemia, justamente, para expressar o  momento em que estamos vivendo. Foi algo que gostei e deu certo. Assim, sensualidade e morte presentes em boa parte das minhas telas, nesta fase, alerta o temor da aglomeração, as mortes em decorrência do vírus, e o corpo como alvo de vida e morte”, detalha Valques ao O Bom da Notícia.  

Foto: Reprodução

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As caveiras que estão nas telas representam o número de pessoas que morreram em decorrência da covid-19

Ainda ao falar da sensualidade exposta em suas telas, e temendo que as pessoas possam confundir seu processo criativo com erotismo e vulgaridade, Valques revela que precisou usar de medidas de limites, ao retratar corpos nus.

Ao lembrar do [pre]conceito com a produção artística, que busca a ousadia como sua melhor cor. “São poucos os artistas que se arriscam na arte sensual. Eu me encorajei e apostei na produção. Contudo, claro, me limitei ao máximo para não expor muito o lado erótico. Mas sim, a sensualidade humana”, conta o artista.  

"As imagens sensuais mostram também a delicadeza da aquarela contornando erotismo e sensualismo nas pinturas. Como um paradoxo que intensifica ainda mais as sensações que as pinturas retratam, essas aquarelas parecem conseguir, justamente através da suavidade dos traços, intensificar o componente erótico desses trabalhos".  

Valques ainda conta que suas pinturas foram feitas, sob o olhar de um tempo e dentro de um projeto. Entretanto, para a sua surpresa, em pouco tempo, todas as obras foram vendidas. “Comecei a pintar para ser exposta na revista Camalote, mas foi surgindo compradores das telas e por fim, graças a Deus acabei vendendo todas as obras”, diz o artista.