"O erro está em tratar segurança pública como um problema apenas de polícia", argumenta o coronel da reserva da Polícia Militar Robson Rodrigues, a respeito do esgotamento da política de pacificação implementada há quase 10 anos em favelas do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos de funcionamento das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), houve redução significativa da criminalidade nas comunidades, assim como, em todo o Estado.
Com menos conflitos, os moradores passaram a se sentir mais seguros, depositando sua confiança no sucesso do projeto. Porém, a partir de 2012 os números relacionados à violência voltaram a crescer e a polícia começou a perder seu espaço. Os tiroteios se tornaram recorrentes e, por consequência, as mortes.
"Depois de alguns anos de melhora na segurança, a percepção que se tem hoje é que há um desgaste muito grande do processo. As UPPs trouxeram uma alternativa à política de confronto, mas elas fracassaram na tentativa de criar uma relação diferente entre a comunidade e a polícia, em fazer uma polícia de proximidade que nunca foi existiu. O projeto continua sendo de ocupação, acho que esse é o grande fracasso", analisa o coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), professor Ignacio Cano. Apesar dos pontos negativos, ele destaca que o programa é importante porque mostrou a possibilidade de se pensar e executar outra política de segurança pública nas comunidades.
"O crédito é ter conseguido reduzir a violência letal, a violência armada e ter dado uma prova de que é possível reduzir a violência sem trocar tiros, sem fazer uma política de confronto permanente, que era a única política de segurança que a gente conhecia até o momento", afirma. Longe da melhor fase, o programa sofre com cortes no orçamento e redução do efetivo. Há pouco mais de uma semana, a extinção de duas, das 38 unidades de pacificação, foi anunciada. Os policiais que atuam nas bases da Vila Kennedy e do Batan, ambas na zona oeste da cidade, deverão ser reintegrados ao policiamento do Batalhão de Bangu (14ºBPM).
Rejeição ao fim das UPPs
Para moradores e especialistas, as UPPs(Unidades de Polícia Pacificadora) se tornaram a face mais visível do distanciamento entre as políticas públicas e as necessidades da população. Apenas 30% das pessoas que vivem nas comunidades avalia de forma positiva a chegada do projeto, mas a retirada das unidades é rejeitada pela maioria.
A conclusão é de um estudo realizado pela Universidade de Stanford em conjunto com o Observatório de Favelas e a ONG Redes de Desenvolvimento da Maré, lançado na última quarta-feira (28). O levantamento ouviu mais de 6.000 moradores de cinco favelas, localizadas em diferentes regiões da capital fluminense, acerca da percepção que tinham com relação ao projeto de pacificação. Entre as principais críticas, a falta de participação nas decisões que afetam a vida da comunidade foi a mais citada. Para 67% não houve mudança, as pessoas são consultadas sobre as decisões tanto quanto antes e para 14% delas, são ainda menos ouvidas agora com a presença da polícia.
"A política da UPP é totalmente de cima para baixo e o maior erro, que provocou esse esgotamento, foi entregar todo o protagonismo do processo à polícia. Se pensou que, com a chegada da UPP, você teria novos caminhos para regulação do espaço público, envolvendo o Estado, a polícia e o morador, mas o que aconteceu é que o estado entregou a polícia a responsabilidade de ser o novo dono do morro", aponta o diretor e pesquisador do Observatório de Favelas, Jailson de Souza Silva.
Ele destaca que as percepções a respeito do programa não são homogêneas e variam de acordo com o território e com os grupos sociais. Moradores entre 14 e 35 anos, por exemplo, tendem a ser desfavoráveis às UPPs. Do mesmo modo, negros e pardos são significativamente menos favoráveis ao programa do que os brancos.
"Em relação ao território, as críticas são muito mais frequentes na Rocinha, onde aconteceram mais casos de violência", explica Jailson, referindo-se ao caso Amarildo, pedreiro detido, torturado e morto por policiais da unidade de pacificação em 2013. "Por outro lado, essa rejeição é muito menor no Batan, onde se constata muito mais o desejo pela permanência da unidade. Porém, lá, os moradores percebem que houve aumento com relação a crimes contra patrimônio após a instalação da UPP".
O estudo constatou que 74% das pessoas que vivem no Batan, na zona oeste, desejam que a UPP continue, enquanto na Rocinha, zona sul, apenas 27% compartilham dessa opinião. Na Rocinha, a maior parte da população (43%) afirma não saber se é melhor manter ou retirar a unidade.
A pesquisa ouviu ainda moradores da Cidade de Deus, na zona oeste; Providência, no centro; e Maré, na zona norte. Esta última nunca recebeu base de pacificação, mas teve ocupação das forças armadas e serviu como laboratório para o estudo. Indagados sobre os sentimentos com relação à polícia, as palavras que mais se repetiram foram ‘medo’ seguido de ‘desconfiança’. Ainda assim, segundo o levantamento, 28% acreditam que a vida na favela melhorou com a chegada da UPP e a maioria (62%) afirma ter percebido alguma melhora.
"Historicamente foi negado às favelas o direito à segurança publica. É uma bobagem achar que o morador está associado com o tráfico, o crime traz instabilidade, confronto, violência. Ele quer segurança, mas o problema é a forma como a polícia age, violando direitos, com truculência", diz Jaílson.