Durante entrevista ao Cast do Bom, esta semana, no estúdio do site O Bom da Notícia, a drag queen Nelly Winter desabafou, ao revelar sua crise de pânico e de ansiedade após o Sesc Arsenal, de Cuiabá, cancelar o lançamento do livro “Versa: Brados em Linhas”, que estava agendado para o dia 31 de agosto. Na obra, Winter assina três poemas – dois sobre amizades perdidas durante a pandemia de Covid-19 e outro texto sobre a aceitação da sua sexualidade.
O fato aconteceu, conforme a artista, depois que a entidade tomou ciência da sua presença, enquanto drag, deixando de lado o fato de que ela era uma das escritoras, com textos presentes na publicação, em evento coordenado pela Umanos Editora.
A discriminação à drag queen acabou ganhando notoriedade nas redes sociais e nos principais veículos de comunicação nacional como a Folha de São Paulo e O Globo e, obviamente, em Mato Grosso. Chegando o Ministério Público do Estado a abrir investigação para apurar suspeita de censura à Winter.
Nelly se lembra que dias antes do lançamento, quando soube que pela terceira vez o evento foi suspenso, largou um áudio em suas redes sociais, revelando que uma funcionária da instituição lhe teria explicado o quanto seria complicado liberar a presença da drag queen, em função de uma gestão que, supostamente, teria um público conservador.
Ao ainda descobrir, neste ínterim, que outros casos, até mais sérios teriam ocorrido naquele mesmo espaço. Inclusive, da demissão de uma funcionária por deixar acontecer uma peça, em que um ator interpretou uma mulher. A instituição, claro, informou que não tinha conhecimento do áudio da funcionária e que seria atribuição da direção negar ou aprovar um evento e, sobretudo, desmentindo que teria cancelado o evento.
Já Nelly, claro, classificou o episódio como censura, lembrando que a instituição sequer a procurou para resolver o imbroglio, ou descartar quaisquer possibilidades de que haveria uma silenciosa política discriminatória quanto aos artistas LGBTQIAPN+.
Em favor da artista, a Umanos Editora publicou, na época, uma nota de repúdio ao entender que o episódio caracterizava, sim, discriminação e preconceito e que a política organizacional não era pautada em valores humanos.
A performer registrou um boletim de ocorrência por injúria, mediante preconceito. No documento, relatou que as negociações para o evento duraram cerca de 90 dias, quando em 3 de agosto, a editora ao enviar o material de divulgação para conferência, informou o Sesc que dentre os 18 autores havia uma drag queen. Foi quando, ainda conforme o registro feito na polícia, a responsável pelo evento enviou uma mensagem em áudio, cancelando o lançamento do livro.
"Fico pensando às vezes se tivesse acontecido no dia. Bom, eu não sei como estaria hoje, porque desenvolvi uma crise de pânico e de ansiedade. Até hoje faço acompanhamento psicológico. Mas vale ressaltar e agradecer todo apoio e carinho que recebi do país inteiro, muitas destas pessoas nem conhecia. Neste meio tempo a entidade publicou uma nota, me chamando e à editora Umanos de mentirosos. Dizendo que nada disso aconteceu. Isso pra mim pesou muito, foi uma facada, uma apunhalada, eu só chorava, eu não conseguia falar", desabafou.
Muito abalada e por medo de represália, desde agosto Nelly não sai e nem anda sozinha pela cidade e até em festas.
"Eu estou evitando sair sozinho, sempre tem alguém comigo. Eu não descarto as possibilidades, já teve carro parado em frente a minha casa, e olha que muita gente nem sabe quem sou, por debaixo da minha performance. Ou muito menos onde moro. Mas como tudo na vida, este fato foi uma chave que virei. Hoje, tem uma Nelly antes e após 3 de agosto. Inclusive, aprendi, sentindo na pele, a olhar para o outro com mais empatia", completou.
Por conta do cancelamento não só a Umanos Editora, como a Associação da Parada do Orgulho GBTQIAPN+ de Mato Grosso emitiram notas de repúdio. E ainda a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados publicou mensagem de apoio à Nelly Winter.
Outro lado
O Sesc - após o fato ter ganhado sonoridade nacional -, negou as acusações. Dizendo receber com surpresa a informação e ainda que o evento estaria mantido, sob o argumento de que a instituição era contra qualquer tipo de preconceito.
Conheça
Nelly foi criada por Thon Silva há 20 anos, inicialmente como um hobby e hoje atua profissionalmente. Ela passa a fazer parte da Casa - ou seja, se torna mais um grande produto do O Bom da Notícia -, com o programa DragPod. De olho em dar espaço às minorias não só invisibilizadas como ainda - ao serem expostas na mídia -, comumente, de forma pejorativa.
Nelly é cuiabana de chapa e cruz. É artista, escritora, publicitária, poetisa, palestrante, cerimonialista, voluntária em ONG’s e uma eterna questionadora de tabus.
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