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CIDADES Terça-feira, 23 de Março de 2021, 09:31 - A | A

Terça-feira, 23 de Março de 2021, 09h:31 - A | A

ALERTA

Violência psicológica é crime e não pode ser normatizada, dizem estudiosas do assunto

O Bom da Notícia

Normatizar comportamentos abusivos faz com que a sociedade tolere relacionamentos tóxicos, ainda mais quando a violência sofrida é a psicológica, em que as marcas não são visíveis na pele. As mulheres precisam ficar atentas para não cair nas armadilhas e não se perceberem vítimas. O alerta é da coordenadora do grupo de estudos sobre identidade de gênero e sexualidade da UFMT, Qelli Rocha.

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) visa coibir atos de violência doméstica contra a mulher e punir o agressor. Pela legislação, a violência contra a mulher pode ocorrer de forma física, sexual, patrimonial, moral e psicológica. A lei ainda define a violência psicológica como qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher.

São exemplos de violência psicológica: determinar o que a mulher pode usar (batom vermelho, roupa curta, cabelo comprido), proibir a mulher de algo (estudar, trabalhar, sair, beber), vigilância de com quem falar (familiares e amigos, redes sociais), manipulação, ameaças, constrangimento, humilhação entre outros.

Qelli Rocha lembra que tornar algo normal, como o ciúme excessivo, é uma das mais perigosas armadilhas que aprisionam mulheres em relacionamentos abusivos, pois a sociedade enxerga o ciúme como prova de amor.

“Nenhuma relação começa com o agressor socando a cara da vítima. Primeiro há todo um desarranjo emocional, um enfraquecimento da estrutura social da vítima para que ela então vulnerabilizada se submeter a uma situação de violência, muitas vezes negando que está em uma relação abusiva”, avalia.

A coordenadora do grupo de estudos revela que situações de violência contra a mulher são retratadas em obras literárias, romances, filmes e na música e muitas vezes se não for feita a crítica, a ideia se perpetua como algo “natural. Ela cita o samba de Zeca Pagodinho, “Faixa Amarela”, que traz em seus versos “Mas se ela vacilar/ Vou dar um castigo nela/ Vou lhe dar uma banda de frente/ Quebrar cinco dentes e quatro costelas/ Vou pegar a tal faixa amarela/ Gravada com o nome dela/ E mandar incendiar/ Na entrada da favela”.

“No momento de descontração a gente está cantando, naturalizando, introjetando os valores dessa sociedade violenta, que ceifa a vida das mulheres, que a cultura fonográfica, cinematográfica, literária ratifica”, critica.

A juíza Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, da Primeira Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Cuiabá, confirma que muitos casos que aportam no judiciário o agressor diz que não sabia que cometeu um crime, que achavam que aquele comportamento abusivo era “normal”. “É muito comum o agressor colocar a culpa do relacionamento não ir bem na companheira. Muitas vezes quem está em um relacionamento abusivo não percebe e precisa de ajuda de alguém que está vendo de fora”, destaca.

“É importante ressaltar que comportamentos inadequados não devem ser naturalizados. Violência psicológica é crime”, reforça Ana Graziela. “Afastar a mulher de amigos e familiares nunca é um ato de amor. Quando um homem falar: faço isso para o seu bem, essas pessoas não são boas companhias para você. A mulher deve desconfiar, pois ele quer isolá-la para não pedir socorro”, alerta a magistrada.

De acordo com a juíza, o Poder Judiciário contribui para que as situações de violência doméstica contra a mulher não se perpetuem, com ações de conscientização. “Os juízes realizam palestras sobre o tema, o Tribunal faz campanhas publicitárias, divulgamos os tipos de violência doméstica, o ciclo da violência em reportagens divulgadas nos veículos do Judiciário da imprensa”, cita. “E quando a violência se torna uma ação judicial, além da sentença, oferecemos Círculos de Construção de Paz para os homens, assim eles possam ter um momento de reflexão, de se identificar como agressor e para que não volte a cometer o mesmo crime, quer seja com a mesma parceria quando o relacionamento continua, ou em um outro relacionamento”, aponta.

A magistrada afirma que a máxima popular “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” precisa ser descontruída. “Só se envolvendo a gente pode salvar vidas. Se no meu trabalho uma colega sempre desmarca compromissos sociais, está triste, chorando, eu não posso fingir que nada está acontecendo. Se for uma amiga próxima, minha mãe, minha filha, irmã. É preciso alertá-la que comportamentos abusivos não são aceitáveis”, sugere. “E o principal de tudo isso é quando for procurado dar todo apoio a essa vítima”.

Denuncie

Para registrar qualquer denúncia de violência contra a mulher basta ligar para o 190, 197, 180 e 181. Todas as denúncias são sigilosas.

As denúncias também podem ser registradas presencialmente nas delegacias de Mato Grosso. Em Cuiabá, a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher funciona na Rua Joaquim Murtinho, nº 789, Centro Sul. A Capital também dispõe de um Plantão 24h para vítimas de violência doméstica e sexual, instalada no bairro Planalto, anexo ao prédio da 2ª Delegacia da Capital.

Em Várzea Grande, a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, da Criança e do Idoso funciona na Rua Almirante Barroso, 298, Centro Sul (próximo do Terminal André Maggi).