Quarta-feira, 18 de Junho de 2025

POLÍTICA Terça-feira, 28 de Novembro de 2023, 17:18 - A | A

Terça-feira, 28 de Novembro de 2023, 17h:18 - A | A

COORDENADORA DA DIVERSIDADE

Sem direito a fala em seminário, em Cuiabá, Léo Áquila diz que não veio de SP 'para servir de enfeite'

Marisa Batalha/ O Bom da Notícia/Com assessoria

(Foto: Ilustração/Video.Redes)

LEO AQUILA - SEMINARIO LGBTQI+ - TJ 2.png

 

Nesta terça-feira(28), no 1° Seminário LGBTQIA+ Prisional de Mato Grosso, na sede do Tribunal de Justiça, em Cuiabá, a famosa transexual Leonora Áquila - coordenadora municipal da Diversidade da Cidade de São Paulo - roubou, literalmente, a cena.

Sem direito a fala, mesmo compondo a mesa de autoridades, Áquila quebrou todos os protocolos, ao pegar o microfone no meio do evento. E usando como exemplo a escritora Clarice Lispector usou uma de suas frases inserida no livro A Hora Da Estrela[Rio de Janeiro: Rocco, 1998] - 'Porque há o direito ao grito. Então eu grito'.

Ao afirmar que aos 53 anos já havia sido por várias vezes silenciada e que, assim, prometeu a si mesma que nunca mais deixaria que isto acontecesse.

"A grande questão aqui é a seguinte: estou com 53 anos, eu vejo a hipocrisia que é esse sistema nacional. Que diz que acolhe mas não acolhe; que diz que ama, mas não ama; que diz que respeita, mas não respeita. Eu sou uma mulher transexual e já senti na pele o que é ser calada. Mais uma vez eu fui silenciada e me senti péssima. E eu não vou nunca mais na minha vida me calar, ser silenciada. Lugar nenhum vai calar a minha voz".

A declaração de Léo Áquila como é mais conhecida ocorreu após profunda irritação de ver seu nome retirado da lista de fala em um evento voltado para a comunidade LGBTQI+ encarceradas, mesmo como uma das convidadas.

"Eu vim de São Paulo para enfeitar mesa? Não sou modelo. Não estou aqui de enfeite. Eu queria fazer uma pergunta para que as autoridades presentes respondam no decorrer dos dias. O que é esse evento? É só mais um seminário para constar. Mais uma pauta para ser escrita? O que é isso aqui? O que vai virar isso aqui? Qual é a resposta que nós vamos ter? Vamos ver o resultado disso aqui? Nós estamos cansados de unir esforços, cansados de hipocrisia".

O evento realizado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo, aconteceu em parceria com a Associação Mais Liberdade, com o objetivo debater a realidade da população LGBTQIAPN+ dentro do sistema penitenciário e pensar em políticas públicas que atendam às demandas desse público.

A mesa foi composta pela presidente da Corte de Justiça, Clarice Claudino; desembargador Orlando Perri coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do TJMT, secretário adjunto de Administração Penitenciária, Jean Gonçalves; defensora pública de Mato Grosso, Maria Luziane Ribeiro de Castro, secretária dos Direitos LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos, Simmy Larrat, Leonara Áquila, coordenadora municipal da Diversidade da Cidade de São Paulo, entre outras autoridades.

Comunidade LGBTQI+ Encarcerada

De acordo com o censo prisional LGBTQIA+, elaborado por meio do projeto intitulado “Dupla Invisibilidade e os ciclos infinitos”, realizado pela Associação Mais Liberdade em parceria com o GMF-MT e com o Fundo Brasil. O levantamento, que foi apresentado nesta manhã pelo presidente da Associação Mais Liberdade, Sandro Augusto Lohmann, foi realizado junto a 207 pessoas privadas de liberdade, que se reconhecem no público LGBTQIA+, das unidades prisionais masculinas e femininas de Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Sinop, Cáceres, Água Boa, Colíder, Nova Xavantina e Nortelândia.

As pessoas que participaram da pesquisa responderam a 247 perguntas em entrevistas que duraram em média 1 hora e 25 minutos, que revelaram, até o momento, que 61% dos entrevistados têm entre 18 a 30 anos, ou seja, trata-se de um público jovem, cuja maioria (56,8%) só estudou até o ensino fundamental, seja ele completo ou incompleto. Ainda no campo do estudo, a pesquisa mostra que 43,8% das pessoas responderam que chegaram a parar os estudos devido à discriminação.

Passando para o campo do trabalho, a pesquisa aponta que entre as maiores dificuldades encontradas pela população LGBTQIA+ privada de liberdade para encontrar emprego formal estão a identidade de gênero, a falta de qualificação, o uso da tornozeleira eletrônica, a baixa escolaridade.

Outro fator predominante nesse público é a falta de vínculos familiares: 71,5% afirma não receber visitas. Dentre a minoria que recebe visita nas unidades prisionais, 46,2% são bissexuais e 26,9% gays. Lésbicas, travestis, pessoas trans são as mais relegadas à solidão.

De acordo com Sandro Lohmann, que também é um dos organizadores do Seminário, a pesquisa servirá para nortear as políticas públicas de atenção às pessoas LGBTQIA+ dentro doo sistema penitenciário e também de prevenção. “Se a gente sabe de onde essas pessoas partiram para estar dentro do cárcere, a gente precisa trabalhar política pública de prevenção. Por isso a importância desse evento”, destacou, ressaltando que o 1º Seminário LGBTQIA+ Prisional serve como referência nacional, o que foi corroborado pela coordenadora de Diversidade do Município de São Paulo, Léo Áquilla.

“À frente do tempo porque tudo o que a gente vê acontecendo de revolucionário ou está no Rio de Janeiro ou está em São Paulo. E aí a gente olha pra Mato Grosso e fala ‘Uau!’. Olha que sensacional as pessoas interessadas em conhecer e - mais legal ainda - para além de ideologia partidária porque a gente está aqui pelo ser humano. E a gente vê as pessoas humanizando as pessoas, passando por cima da hipocrisia, lutando por seres humanos que precisam ser inseridos. Uma vez que ela cumpriu sua pena, ela não deve mais nada e esses preconceitos precisam cair”, ressaltou.

Diálogo com as populações LGBTQIA+ e feminina

O 1º Seminário LGBTQIA+ Prisional contou com a participação de mulheres, cis, trans e lésbicas, que estão inseridas no sistema prisional, em regime semiaberto, que realizam trabalho extramuros e estão sendo capacitadas no curso de técnico administrativo e informática do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - Senac MT, graças à intermediação da Fundação Nova Chance.

Elas relataram sofrer preconceito devido à identidade de gênero, o que lhes impediu de ter pleno desenvolvimento educacional e acesso ao mercado formal de trabalho. “A gente não tem oportunidade. Quando a gente sai da cadeia, a gente sai com tornozeleira e, muitas vezes, não têm oportunidade de emprego pela tornozeleira, por já ter sido presa e também por ser lésbica. Sempre tem aqueles olhares, a gente sente na pele o preconceito mesmo”, relatou K.S.R.

Ela afirma que vê com esperança a realização do 1º Seminário LGBTQIA+ Prisional. “Eu espero que mude bastante coisa porque pra quem está no fechado está complicado porque ficar lá com preconceito é muito difícil, mas acho que vai dar certo porque a gente já conversou com o desembargador sobre ter uma ala LGBT dentro da unidade feminina, que é o que nós precisamos no momento”, reivindicou.

Outra recuperanda que se identifica como lésbica, J.R. afirma que espera o evento a fez sonhar com maior representatividade. “Eu estava sentada ali ouvindo e pensando se um dia eu estiver representando as que estão lá dentro”.

A programação matutina contou ainda com a mesa “Judiciário e Executivo – as perspectivas de atenção à população LBGTQIA+ e Mulheres”, que contou com as participações do desembargador Orlando Perri, do coordenador do GMF-MT, Geraldo Fidelis, do secretário-adjunto de Administração Penitenciário, Jean Carlos Gonçalves e da superintendente de Políticas Penitenciárias da SAAP/SESP, Gleidiane Assis.

(Foto: Ilustração/Assessoria)

LEO AQUILA NO TJ- SEMINÁRIO - BAFÃO.png

 

Desembargadores parabenizam iniciativa

No evento, a presidente do TJMT, desembargadora Clarice Claudino da Silva, destacou a relevância do seminário, ao parabenizar a iniciativa.

"Vejo como muito importante essa iniciativa até mesmo para quebrar alguns paradigmas, alguns tabus e dar o exemplo de que a inclusão, a fraternidade e esse tratamento humanizado precisa ser cada vez mais parte da nossa vida no cotidiano, afinal de contas, somos todos irmãos. E é com esse espírito de fraternidade, igualdade e inclusão que nós hoje recebemos esse evento e estamos muito contentes em participar, especialmente com a presença de muitas autoridades e toda a cúpula que representa o sistema prisional no nosso estado".

Na ocasião, o desembargador Orlando Peri relatou o que tem detectado nas inúmeras inspeções nas unidades penitenciárias do estado e enalteceu o trabalho da Associação Mais Diversidade, que faz o acolhimento e acompanhamento de egressos do sistema prisional gays, lésbicas, trans e que se enquadram nadas demais siglas do movimento LGBTQIA+. "A ONG terá sua sede, que vai acolher essa população, que não tem vínculos familiares, nem profissão e saem sem perspectiva".

Veja vídeo de um internauta da fala de Leonora Áquila

 

 

Vej