Atuo como advogada no Estado de Mato Grosso há seis anos. Nesse período, acompanhei de perto a crescente desvalorização da nossa profissão.O exercício da advocacia tem exigido mais do que conhecimento técnico: exige resistência. Resistência à precarização, à desigualdade e à falta de representatividade real dentro da nossa própria instituição.Este texto traz uma crítica moderada, porém urgente, à atual gestão da OAB/MT. Iniciativas pontuais existem, mas não enfrentam as raízes do problema.
Tabela defasada e contratações precárias
A tabela de honorários da OAB/MT, que já está defasada, sequer é respeitada. Escritórios ignoram os valores mínimos e oferecem salários incompatíveis com a responsabilidade da função.Pior: muitos preferem contratar bacharéis, sem inscrição na Ordem, para fazer o que é atribuição exclusiva do advogado. É um desvio de função que fragiliza toda a categoria.
Esse cenário evidencia um mercado que explora os mais vulneráveis, ao mesmo tempo em que fecha portas para quem cumpre com suas obrigações legais e éticas.
Contratações abaixo do piso salarial da OAB/MT
A contratação de advogados com salários inferiores ao piso definido pela OAB/MT não é apenas injusta — é ilegal e pode configurar falta ética. Conforme o artigo 29 do Novo Código de Ética da Advocacia, é vedado aviltar os serviços do colega com remuneração incompatível com o trabalho profissional, caracterizando falta ética.
Além disso, a Justiça do Trabalho reconhece a obrigatoriedade do cumprimento do piso salarial da categoria. Por exemplo, o TRT-4, no Recurso Ordinário RO 207753620175040541, reforça que o assessoramento jurídico, função privativa da advocacia, exige respeito ao piso salarial previsto na categoria.
Da mesma forma, o TRT-18, no Recurso Ordinário Trabalhista ROT 106101420215180083, determinou o pagamento de diferenças salariais quando comprovado o pagamento inferior ao piso previsto em norma coletiva.
Assim, contratar advogados por valores inferiores ao piso salarial não só viola normas trabalhistas e coletivas, mas também infringe princípios éticos da profissão, agravando a precarização da advocacia.
Advogado bom, é advogado que respeita - não só o cliente - mas o colega também!Esse cenário demanda uma postura mais firme e efetiva da OAB/MT na fiscalização dos escritórios e na proteção dos direitos da categoria.
Discriminação estrutural no recrutamento
Nos processos seletivos, mulheres advogadas enfrentam filtros discriminatórios inaceitáveis. Ser mãe, ser casada ou exigir salário digno virou critério de exclusão.O mercado jurídico reforça estigmas ao invés de combatê-los. Fala-se em igualdade, mas pratica-se exclusão velada.Enquanto isso, profissionais qualificados seguem à margem, muitas vezes por não aceitarem a lógica da exploração
.Iniciativas louváveis, mas insuficientes
A 2ª Feira de Oportunidades, promovida pela OAB/MT, é uma ação positiva. Mas não basta. A desigualdade estrutural não será resolvida por eventos pontuais.Faltam ações firmes, permanentes e fiscalizatórias. Sem políticas públicas institucionais, continuaremos enxugando gelo.Valorizar a advocacia exige mais do que boa vontade: exige coragem institucional para enfrentar interesses estabelecidos.
A advocacia que resiste é tida como incômodo institucional
Reivindicar salário justo, respeito profissional ou condições mínimas virou sinônimo de ser "problemático". Como se devêssemos agradecer por sermos aceitos na faixa de Gaza da advocacia.É como se o simples ato de exigir dignidade gerasse incômodo. E isso precisa ser dito com todas as letras.
Conclusão
As críticas aqui apresentadas não são destrutivas. São um chamado à responsabilidade. A OAB/MT precisa ser mais do que uma sigla: precisa ser voz ativa dos que não conseguem mais gritar.A advocacia não pode continuar sendo um campo de sobrevivência. Ser advogada não pode ser sinônimo de invisibilidade, muito menos de resignação.
Thaysa Andréia Ignácio, advogada inscrita na OAB/MT desde 2018, especialista em Direito Cível, Consumidor e Eleitoral.