A contadora aposentada Adna Ferraz já tratava o câncer de mama há três anos quando, com o apoio do mastologista , passou a frequentar a sala de reuniões do hospital onde recebia doses de quimioterapia. Os encontros eram o espaço onde, uma vez por mês, mulheres que passavam pelo mesmo tratamento trocavam experiências sobre suas vidas sexuais e afetivas.
"Nos encontrávamos uma vez por mês para falar sobre ser mulher e esquecer do câncer", explica. Aos 56 anos, Adna diz que reparou inseguranças e baixa autoestima em mulheres muito mais jovens que ela. "Eu achei que tinha a ver com a minha idade, mas depois vi meninas lindas de vinte e poucos anos enfrentando os mesmos problemas. Quis ajudar", diz.
"A gente conversava sobre assuntos mais sérios mas também sobre maquiagem e marcas de lingerie. Tudo merece atenção", reforça Adna, que diz ter feito amizades importantes durante os encontros.
As reuniões, que duraram poucos meses e foram interrompidos por incompatibilidades nas agendas das participantes, tocaram em pontos fundamentais para as mulheres que convivem, especialmente, com o câncer de mama .
"Não são incomuns as queixas no consultório com relação à atividade sexual. Falta de desejo, insegurança com relação à sua imagem ou mesmo medo de que o ato sexual possa atrapalhar na eficácia do tratamento", comenta a oncologista Lara Fonseca. De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, entre 35% e 50% das mulheres que trataram o câncer de apresentam algum problema ligado ao sexo.
O problema, que acompanha pacientes do segundo tipo de câncer mais comum no Brasil, possui diferentes causas: segundo a profissional de saúde, "a quimioterapia, um tratamento muito comum para o câncer de mama, pode levar a paciente a um estado de menopausa induzida, o que altera completamente o seu perfil hormonal e consequentemente interfere na libido e lubrificação feminina", explica.
"Também pode ocorrer piora na vida sexual de mulheres que passam por terapias hormonais adjuvantes, utilizadas nas pacientes que apresentam receptores hormonais na expressão tumoral", acrescenta a médica.
Além disso, reforça Lara, a falta de acolhimento afetivo pode ser ainda mais grave do que os efeitos colaterais de medicamentos. "Outro aspecto que pode interferir ainda mais na vida sexual dessa mulher é o seu companheiro. Muitas vezes a mulher se vê abandonada pelo marido diante do diagnóstico ou mesmo durante o tratamento", diz.
De acordo com a médica Fernanda Torras, da Sociedade Brasileira de Mastologia - em entrevista à rádio CBN sobre o assunto - aproximadamente 70% das mulheres que recebem diagnóstico de câncer de mama no Brasil precisam lidar, mais tarde, com uma separação afetiva ou divórcio.
Informação e suporte psicológico são fundamentais
Para a oncologista Lara Fonseca, o tratamento completo de uma paciente que enfrenta o câncer de mama vai muito além de simplesmente combater um tumor.
"O câncer é uma doença multifatorial e o seu tratamento exige uma equipe multiprofissional. A atuação da psicologia, da mastologia, enfermagem, serviço social, nutrição e da fisioterapia são essenciais para que a mulher se sinta acolhida e amparada ao diagnóstico, durante o tratamento e no decorrer de toda a sua vida", diz.
"Quando todas as dúvidas são esclarecidas, opções medicamentosas para amenizar os efeitos das alterações hormonais são ofertadas e a mulher conta com uma rede de apoio familiar, a adaptação dessa nova etapa se torna mais amena e a mulher percebe que o ciclo de sua vida sexual não precisa terminar e nem terminou", reforça a profissional de saúde.
Entre as técnicas inovadoras de apoio psicológico, está a hipnoterapia, que pode ajudar na superação de travas e problemas de autoestima, por exemplo. "Dentro da hipnose nós temos uma facilidade muito grande de trabalhar as emoções. No caso de uma mulher que enfrenta problemas de autoimagem ligados ao câncer, por exemplo, nós podemos trabalhar uma âncora - um gatilho que resgata um estímulo mental - que traga a sensação de bem estar e autoestima", explica o hipnoterapeuta Charles Bueno.
De acordo com o profissional, o mecanismo é semelhante à lembrança de um cheiro. "Quando sentimos o perfume de um amigo em outra pessoa e automaticamente lembramos dele, isso é um gatilho", diz.
Além disso, dinâmicas de grupo - como a iniciativa liderada por Adna - ou psicoterapia individual também podem tratar dilemas específicos e fundamentais para a recuperação da saúde da mulher.
"As pessoas costumam olhar para o tratamento psicoterapêutico como algo afastado da saúde do corpo, mas na verdade a saúde mental é fundamental para o bom funcionamento do sistema imunológico e melhor resposta contra doenças como o câncer", reforça a psicoterapeuta Daniela Neves, do grupo Replantar.