Sexta-feira, 23 de Maio de 2025

ARTIGOS Quarta-feira, 14 de Dezembro de 2022, 12:24 - A | A

Quarta-feira, 14 de Dezembro de 2022, 12h:24 - A | A

Bárbara Lenza Lana

Tem uva passas no seu arroz?

Bárbara Lenza Lana

Lançando mão da licença poética, hoje decidi escrever em primeira pessoa embora nem tudo se refira a mim!

À medida em que se aproxima o fim de ano, o caos costuma se instaurar nos espaços que frequento!

Planos e pessoas elaboradas vão perdendo o sentido, e percebemos que já não somos mais tão jovens quanto a cinco minutos atrás.

Nós, que hoje vivemos em função de projetos e propósitos, de uma alegria que culmina na tal gratitude do ser solar, de 15 minutos de fama, se comparados àqueles nós de 15 anos atrás, seríamos as mesmas pessoas?

Eu me lembro que para ser ouvida pela sociedade, corpos se debatiam nos jornais do meio dia, e reivindicações diversas eram levantadas, mas nada era mais valoroso do que ver aquela vizinha faladeira descendo do ônibus narrando o seu momento de fama!

Hoje, basta falarmos, e isso seria uma vitória sem precedentes, se não desperdiçássemos tanta energia no que não faz diferença nessa existência.

Já sofri bullying de todas as formas possíveis! Para se ter uma breve ideia, poucos anos depois das minhas amigas jogarem futebol com meu corpo e me enterrarem no latão de lixo porque eu era uma menina gorda, dei o meu primeiro beijo, completamente apaixonada, até que vi o garotinho que tinha feito o "serviço sujo" cobrar dos outros amiguinhos o saco de bombons que eles apostaram.

Sim, foi uma aposta!

Um dos momentos mais significativos da minha existência custou um saco de bombons sonho de valsa,  logo da minha vida, que prefiro ouro branco!

Os adolescentes que não tivessem tênis Cooper eram destacados da sociedade. As mochilas de rodinha eram um frisson que só se apagavam nos jogos de lápis de cor com 48 cores!

Meu sonho era ter um suspensório com tarraxas, embora eu odiasse suspensórios e tarraxas! As meninas do meu grupo usavam.  

Qual era o seu projeto de vida? Você se lembra? Eu queria ser mãe, professora e pianista, desde que mamãe me permitisse pintar as unhas de vermelho, o que só me foi permitido depois dos 15, então foi-se o piano!

O Direito surgiu da imagem bonita do meu pai sentado à mesa, atendendo clientes.

A Psicologia da curiosidade, que não se prolongou a ponto de consolidar em forma de profissão. 

Quanto de você ficou pra trás?

Estou com 43 anos, e estive  no hospital! 

Umas coisas em mim se revelaram, e tenho tentando segurar a minha saúde de ferro, que vem se comportando como  água entre os dedos.

Enquanto aguardava a camisola elegante que nos ensina tão bem sobre a nossa altivez, tive a surpresa de assistir uma briga homérica que se dava em torno de uva passa no arroz na ceia de Natal. 

Meu tempo de moção de Aplausos acabou! O que me importa agora é o bom diagnóstico, rúcula e couve na geladeira, suco verde e eu inteira!

"Eu cheguei a troquei, agora é farofa"- veja “a mãe" como buscou uma solução, heroicamente.  "Mas quando a farofa encosta no arroz, adivinha pra onde vai a uva passa?"- retrucava a filha, uma mulher de 30 e poucos anos que, acredito eu, sabe fazer seu próprio arroz e a sua farofa.

Pensei na minha mãe e a vi naquela senhora toda furada de acessos de medicamentos, só que escrever qualquer resposta de mamãe  que viria das observações trazidas pela "moça " faria com que esse texto ficasse impróprio para publicação. 

Existem projetos que na nossa juventude fazem muito sentido, mas na vida adulta nos esvaziam,  literalmente.

Enquanto nossos órgãos vão sendo descartados por uma questão de sobrevivência, fugimos da dor brigando pela uva passa, pelo cabelo pro lado direito, pelo chinelo fora de casa.

Enquanto olhava a moça filha daquela mãe com uma certa repulsa, confesso, me lembro de uma discussão que tive com a minha mãe, sobre o amarelo ser mais bonito do que o alaranjado.

Sofrimento mudou de nome, pensei: Agora se chama "fuga na uva passa".

A imagem que você vê refletida no espelho, tem cuidado bem de você? Respeitado seus limites? Ajudado na construção dos seus valores?

Sabe o "Natal é tempo De Paz?"- eu sei.

Por que razão nos é tão difícil resolver nossas questões ali, no momento em que ainda nos é possível o abraço, o aconchego, a despedida?

Certa feita, em um dos meus discursos, bradei, cheia de certeza, que venho de um pai e de uma mãe fortes. É verdade, mas para não perder a minha força, me escondi até Brennè Brown me ensinar sobre "A Coragem de Ser Imperfeito".

Deus, a deitar no seu colo e me entregar à jornada.

Estamos em dezembro, mais uma vez!

Tá tudo bem? Para maioria não, não tá, mas tá indo, dizem.

A questão é: vai até onde? Até quando?

A vida é um sopro!

Descabele-se!

Bárbara Lenza Lana.  Advogada, Professora, Pesquisadora, Mãe e Pretensa Escritora.