O vereador e policial federal Rafael Beal Ranalli (PL), de Cuiabá, decidiu tirar o debate interno do campo da conversa de bastidor e colocá-lo no papel. Em ofício encaminhado ao presidente estadual do Partido Liberal, Ananias Martins, ele se apresenta como “soldado do PL” e se coloca à disposição para disputar a segunda vaga ao Senado em 2026, com um recado claro à cúpula: se o partido quer manter a sintonia com a base bolsonarista, a chapa majoritária precisa ter um representante do que ele chama, na prática, de bolsonarismo raiz.
O documento parte de um ponto em que há consenso dentro do próprio PL. Ranalli lembra que Jair Bolsonaro teve votação expressiva em Mato Grosso em 2022 e que o partido ampliou espaço nas eleições municipais de 2024. A partir daí, afirma que o eleitorado mato-grossense consolidou um perfil conservador e que o PL tem a obrigação de montar uma chapa ao Senado alinhada ao discurso de defesa da família, da liberdade e do patriotismo. Não é apenas balanço de eleição, é base para justificar que a vaga não pode ser negociada com perfis considerados “meia-boca” pela militância mais fiel ao ex-presidente.
O vereador também mexe em ferida aberta no campo da direita local. Sem citar nomes, mas dialogando com a crise recente entre o governador Mauro Mendes e o deputado Eduardo Bolsonaro, Ranalli escreve que “é preciso separar o joio do trigo” dentro do projeto liderado por Bolsonaro. No ofício, ele critica lideranças que buscam apoio da base bolsonarista e ao mesmo tempo atacam “uma de suas principais lideranças”. Na prática, o recado vai na direção de quem tenta se aproximar do eleitorado de Bolsonaro sem comprar o pacote completo das brigas e das pautas do grupo.
Para sustentar o discurso de que representa o bolsonarismo de raiz, Ranalli usa o próprio histórico na Câmara de Cuiabá como vitrine. O ofício lista três leis de forte apelo ideológico. A primeira é a norma que proíbe procedimentos de transição de gênero em menores de 18 anos no âmbito do município, tratada por ele como projeto único entre as capitais. A segunda é a lei que proíbe livros com conteúdo erótico nas escolas municipais, aprovada em meio a forte disputa sobre o que é ou não adequado para crianças e adolescentes. A terceira define o sexo biológico como único critério para participação em competições esportivas oficiais, cortando a possibilidade de atletas trans disputarem determinadas modalidades.
Essas iniciativas formam o pacote que o vereador apresenta ao partido como cartão de visitas. No texto, ele afirma que os temas estão alinhados às “lutas” históricas de Bolsonaro e tenta mostrar coerência entre o que o ex-presidente defende em Brasília, nas redes e em atos públicos e o que ele próprio apresentou no plenário da Câmara de Cuiabá. É uma forma de se diferenciar de políticos que surfam na imagem do ex-presidente apenas em período eleitoral, mas não assumem pautas de costumes no dia a dia do mandato.
Ao mesmo tempo, Ranalli faz questão de não romper com a hierarquia interna. No ofício, ele reafirma “máximo respeito” às decisões da direção estadual e reconhece o deputado federal José Medeiros como primeiro nome do PL para a disputa ao Senado. O movimento é para ocupar espaço sem parecer que está tentando atropelar quem já está na fila. Ele relata que já conversou com o senador Wellington Fagundes sobre o tema e registra por escrito que qualquer pretensão pessoal está subordinada ao projeto coletivo do partido.
O resultado é um texto que mistura recado, cobrança e pré-campanha. Ranalli marca posição como representante de um segmento específico dentro do PL, aquele que exige coerência total com o pacote bolsonarista em temas como Deus, Pátria e Família. Ao colocar isso no papel e protocolar junto à direção, o vereador transforma um desejo de bastidor em fato político e, de quebra, aumenta a pressão sobre o próprio partido na hora de decidir quem vai carregar a faixa do bolsonarismo raiz na disputa pelo Senado em 2026.
Confira o conteúdo do ofício:
OF. GV Nº 105/2025 Cuiabá, (MT) 11 de Novembro de 2025.
Ao Senhor
Ananias Filho
M.D Presidente Estadual do Partido Liberal - PL
Assunto: Eleição 2026
Nesta.
Senhor Presidente,
Na condição de Vereador de Cuiabá e filiado ao Partido Liberal – PL, registro algumas reflexões sobre o cenário político em Mato Grosso e sobre a preparação do partido para as eleições de 2026. O desempenho expressivo do Presidente Jair Messias Bolsonaro em Mato Grosso nas eleições de 2022, somado ao crescimento do PL nas eleições municipais de 2024, confirma o perfil conservador do eleitorado mato-grossense e reforça a responsabilidade do partido em manter uma chapa majoritária coerente com os ideais e valores de defesa da família, da liberdade e do patriotismo.
É preciso separar o joio do trigo e, como tenho me posicionado publicamente em defesa da família Bolsonaro e de sua luta, entendo que precisamos refletir internamente sobre o projeto encampado pelo nosso Líder para 2026. Devemos nos posicionar contra visões incoerentes, desrespeitosas e combativas às nossas lutas, especialmente de parte daqueles que, até há pouco tempo, se diziam alinhados às nossas defesas.
Não é possível irmos para a guerra com um soldado que, ao mesmo tempo em que busca apoio da base bolsonarista, ataca um de seus principais generais.
Na Câmara Municipal de Cuiabá, tenho procurado exercer um mandato coerente e fiel aos ideais conservadores. Em defesa das crianças, apresentei e consegui aprovação da lei que proíbe procedimentos de transição de gênero em menores de 18 anos, projeto único em uma capital brasileira. Também aprovei a lei que proíbe livros com conteúdo erótico nas escolas municipais e a lei que determina o sexo biológico como único critério para a definição de gênero de competidores em partidas esportivas oficiais realizadas no município. Temas e lutas como essas estão alinhados àquilo que nosso Capitão defende e pelo que lutou durante toda a sua vida.
Reitero meu máximo respeito às decisões da direção estadual e ao protagonismo do Deputado Federal José Medeiros como primeiro nome do partido para a disputa ao Senado. Acrescento que já externei esse intento ao senador Wellington Fagundes e, como afirmei em toda a minha trajetória política, sou soldado do PL e, nessa condição, coloco-me à disposição desta Presidência e da Executiva para eventual avaliação quanto à composição da segunda vaga ao Senado, subordinando qualquer pretensão pessoal ao projeto coletivo do partido.
Coloco-me à disposição para colaborar com o fortalecimento do Partido Liberal em Mato Grosso.
Atenciosamente,
Vereador Ranalli - PL


