Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2025

ARTIGOS Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2025, 16:00 - A | A

Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2025, 16h:00 - A | A

GISELA SIMONA

'Um país que precisa enterrar suas filhas por assassinato não pode dormir em paz'

Marisa Batalha

Ao encerrarmos os 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra mulheres e meninas nesta quarta-feira, 10 de dezembro, precisamos transformar o que foi mobilização em continuidade, responsabilidade institucional e ação política efetiva. Pois o Brasil segue enfrentando um cenário grave e persistente de violência de gênero que exige, hoje, de forma concomitante, campanhas de sensibilização, mas com a presença do Estado, na integração de políticas públicas e com o comprometimento de todas as esferas de poder.

A cada ano, novos números revelam a dimensão da tragédia. De acordo com o DataSenado, 3,7 milhões de brasileiras sofreram violência doméstica ou familiar em 2025. Entre elas, 71% relataram que havia crianças presentes durante as agressões, muitas vezes seus próprios filhos, evidenciando que a violência repercute para além das vítimas diretas e atinge estruturas inteiras de convivência familiar.

Em 2024, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e ONU Mulheres, 83 mil mulheres e meninas foram mortas intencionalmente; dessas, 50 mil — ou 60% — foram assassinadas por parceiros íntimos ou familiares. Uma realidade devastadora que coloca a cada 10 minutos uma mulher ou menina sendo morta pelo próprio companheiro ou por alguém com quem mantinha laços de afeto, cuidado ou convivência.

Embora seja doloroso aceitar esses números, é possível observar avanços importantes na campanha dos 21 dias de ativismo, pois ela trouxe mais força às discussões e ampliou o entendimento sobre crimes antes invisibilizados, como a violência digital e a violência política de gênero.

No Brasil, a violência letal contra mulheres continua como um de nossos maiores desafios. E Mato Grosso segue, pelo segundo ano consecutivo, liderando o ranking proporcional de feminicídios no país. Já acumulando em novembro, 51 casos, superando os 47 registrados ao longo de todo o ano anterior. Só em junho, dez mulheres foram mortas dentro de suas casas — exatamente onde deveriam estar protegidas.

Embora seja doloroso aceitar esses números, é possível observar avanços importantes na campanha dos 21 dias de ativismo, pois ela trouxe mais força às discussões e ampliou o entendimento sobre crimes antes invisibilizados, como a violência digital e a violência política de gênero.

Igualmente, fortaleceu o diálogo interseccional, ao cristalizar o início da mobilização pelo Dia da Consciência Negra, reafirmando a vulnerabilidade específica das mulheres negras, que seguem entre as maiores vítimas de feminicídio no país. Ainda reconhecendo o esforço notável de engajar o homem nestes debates, inclusive, com a celebração da mobilização masculina em 6 de dezembro, na campanha Laço Branco, reforçando a importância da mudança cultural.

No entanto, é preciso admitir que campanhas, embora fundamentais, não produzem mudança estrutural sozinhas. Elas iluminam o problema, mas não bastam para solucioná-lo. Os canais de denúncia, como o Ligue 180, seguem sendo fortalecidos e divulgados, e a sociedade civil, junto às instituições públicas, tem se mobilizado com mais intensidade. Ainda assim, o desafio continua gigantesco em um país que convive historicamente com a misoginia, a violência naturalizada e a ideia de que corpos femininos são controláveis, descartáveis ou subalternizados.

Como mulher, advogada e deputada federal, líder da bancada feminina do União Brasil e vice-presidente do maior bloco da Câmara — formado por oito partidos e 363 deputados — sei que a nossa responsabilidade é imensa. Também sei que a legislação brasileira avançou graças à pressão da sociedade e ao empenho de mulheres e homens comprometidos com essa causa. Foi assim com a Lei Maria da Penha. Foi assim com a Lei do Feminicídio, da qual tive a honra de ser relatora na Câmara Federal.

Mas ainda não é suficiente, pois a violência estranhamente evolui, muda de forma, se infiltra em novos espaços — físicos, virtuais, simbólicos. E o Estado precisa acompanhá-la, preveni-la e combatê-la de maneira ágil e eficiente. Desvelando que a proteção às mulheres exige políticas públicas permanentes, orçamento, equipes treinadas, abrigos, programas de autonomia econômica, atendimento psicológico, acolhimento humanizado, integração das redes e responsabilização célere dos agressores.

Sobretudo, exige que novas gerações cresçam livres de estigmas de gênero e compreendam que violência não é conflito doméstico, não é erro de percurso: é crime. E crime deve ser enfrentado com a firmeza de quem protege a vida.

Assim, ao final desta campanha, fica uma certeza: não falamos apenas de números, mas de pessoas com nome, rosto, história, afeto e projetos interrompidos. Falamos de mães, filhas, irmãs, amigas, vizinhas que tiveram suas vidas ceifadas. Por isso, reafirmo meu compromisso de seguir aprimorando legislações e unida à organizações e movimentos que lutam para que a violência não se naturalize como o destino da mulher, e que nossa vida seja um direito.

Gisela Simona é advogada e deputada federal

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