Sábado, 26 de Julho de 2025

O BOOM DA NOTÍCIA Sexta-feira, 25 de Julho de 2025, 10:12 - A | A

Sexta-feira, 25 de Julho de 2025, 10h:12 - A | A

ENCONTRO

Mulheres de Mato Grosso rumo à 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas

O Bom da Notícia/ com assessoria

Às margens do rio Juruena, na aldeia Pé de Mutum, Terra Indígena Japuíra, representantes de todas as regiões do estado se reuniram para a 5ª Assembleia das Mulheres Indígenas de Mato Grosso, entre 7 e 10 de julho. No encontro foi realizada a etapa estadual da conferência de mulheres indígenas e a escolha das coordenações para o Departamento de Mulheres da Federação das Organizações e Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), realizadora do evento.

A ocupação de espaços políticos dentro e fora das comunidades foi uma das reivindicações apresentadas pelas mulheres, tema que apareceu com frequência nas discussões dos cinco eixos da conferência: direito e gestão territorial; emergência climática; políticas públicas e violência de gênero; saúde; educação e a transmissão dos saberes ancestrais para o bem viver.

Organizadas em grupos mistos com representantes das diferentes regiões do estado, elas avaliaram os problemas vivenciados nos territórios e os orientaram para possíveis soluções. As propostas seguem para discussão na conferência regional, a etapa Samaúma, em Rio Branco (AC). De lá, sistematizadas com propostas de outros estados, vão para a I Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, que será realizada de 2 a 8 de agosto, na IV Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.

“A conferência é a primeira que está acontecendo especificamente para as mulheres indígenas. É um processo de muita luta”, afirmou Marinete Tukano, coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab), que explicou a dificuldade de aplicação das políticas públicas e a invisibilidade das mulheres indígenas.

 “A perspectiva da conferência das mulheres indígenas é fortalecer nossas propostas e deixar claro para o governo que não estamos invisíveis. É fundamental que nossas pautas, construídas por nós mesmas, sejam ouvidas e consideradas nos espaços públicos”, afirma Maria Anarrory Yudjá, coordenadora geral do Departamento de Mulheres da Fepoimt.

Após a etapa nacional, com as reivindicações em mãos, as mulheres indígenas marcam presença na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que será retomada este ano, após mais de uma década sem ser realizada.
 
O direito à saúde

Uma série de violações foram discutidas pelas mulheres em relação à saúde: falta de veículos para transporte de pacientes, proibição de que pessoas em tratamento sejam acompanhadas pelos pajés nos hospitais, dificuldades de diagnóstico especializado, mortes por causas evitáveis e violência obstétrica. Entre os relatos, foi apresentado, como algo frequente, que indígenas em trabalho de parto ficam aguardando mais tempo do que as não indígenas para serem atendidas nos hospitais

Além das violações, foram mencionadas alterações nas escolhas de modelos de atendimento em saúde. A parteira Ruth Kawanaru, do povo Karajá, observou que hoje as mulheres grávidas estão preferindo acompanhamento dos médicos e acabam fazendo parto cesariana sem precisar. “Eu sei como é [a gravidez] e eu vejo como está a criança, sei ajeitar a criança. Ganhar neném normal é muito mais saudável”, afirmou ela, que pretende ensinar as jovens a serem parteiras.

Impactos do uso de celular também foram descritos como um grave problema para as comunidades. “Faz as pessoas ficarem distantes e isso afeta a saúde mental”, disse Marileide Rikbaktatsa, do povo Rikbaktsa, demonstrando preocupação com os jovens que preferem estar no ambiente virtual do que com a família, não se abrindo quando estão com alguma dificuldade. A psicóloga Jaqueline Aparício, do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Kayapó, mencionou também outros problemas relacionados a um uso problemático de celular: apostas, dependência psicológica de jovens e a incidência de acesso a pornografia, inclusive por crianças.

Educação e a transmissão dos saberes ancestrais

Tendo como objetivo uma alimentação natural e tradicional, a qualidade da merenda escolar foi pauta nas discussões sobre educação. “O que acaba com a gente é doença de diabetes. Não adianta a criança estar bebendo só açúcar”, afirmou Dalila Kutitiko, do Xingu. “Na minha aldeia, os alunos consomem comida da cidade na merenda, o que não é bom pra saúde. E já faz algum tempo que a gente está lutando pra comprar alimentação tradicional dentro da aldeia mesmo”, contou Kujaesage Kayabi, também da Terra Indígena Xingu (TIX).

Visando ampliar a efetividade do ensino, foram propostos materiais pedagógicos, aplicativos de celular e outros itens escolares no idioma materno de cada povo. As mulheres presentes destacaram a necessidade de que a educação seja uma formulação própria e que sirva ao fortalecimento dos conhecimentos tradicionais, como reforçou Domingas Rikbaktatsa, do povo Rikbaktsa: “Temos que dar valor à nossa cultura, às nossas pinturas tradicionais, nosso conhecimento, à alimentação tradicional, aos nossos artesanatos e também à medicina tradicional. Sem esses conhecimentos, onde vamos parar? Então temos que dar valor nos rituais e ensinar pros nossos filhos, pros nossos jovens”.

Políticas públicas e violência de gênero

 O tema de políticas públicas e violência de gênero teve como proposta a realização de cursos sobre direitos das mulheres nas escolas, de formação política sobre autoconfiança e autoconhecimento e de palestras ministradas por lideranças femininas a meninos e homens sobre o respeito às mulheres. O aumento da participação das mulheres em todos os espaços ficou bem marcada nessa discussão, em que também foi observada a relevância de projetos escritos e executados por elas. “É muito importante para a nossa autonomia elaborarmos e termos essa gestão de projetos também”, destacou Alawero Mehinako, da TIX.

Direito e gestão territorial

 Após um olhar atencioso sobre os mapas de Mato Grosso em relação ao status de regularização fundiária das terras indígenas e de seus instrumentos de gestão territorial (IGATs), as presentes construíram propostas voltadas à participação das mulheres na vigilância territorial junto com os homens, nas reuniões para elaboração dos planos de gestão territorial e ambiental (PGTAs) e dos protocolos de consulta, além de outros espaços voltados à gestão do território. Também defenderam a demarcação das terras indígenas, avaliando o difícil momento político em que o Congresso Nacional se pauta por interesses contrários aos direitos constitucionais dos povos.

Emergência climática

Em ano de COP30 no Brasil, o tema das mudanças climáticas também requer maior participação das mulheres indígenas, que vão marchar em Brasília com o lema “a resposta somos nós”, o que dá centralidade aos conhecimentos tradicionais para reversão do ritmo de aumento das emissões de gases do efeito estufa. Restauração, plantio de sementes e mudas e o cumprimento das leis ambientais foram algumas proposições definidas na assembleia sobre esta pauta.

Além disso, com o aumento das queimadas e a necessidade crescente de formação de brigadas, as mulheres defenderam maior participação nessa frente de trabalho. “Tem mulheres que querem estar nas brigadas e às vezes elas não têm oportunidade”, afirma a presidente da Fepoimt, Eliane Xunakalo, que orientou as discussões neste grupo, reforçando que muitas vezes o fogo chega de forma inesperada aos territórios, exigindo uma resposta rápida.

Delegação de Mato Grosso na etapa Samaúma

São delegadas na etapa regional da conferência das mulheres indígenas, responsáveis por levar adiante as discussões da etapa estadual, Ana Terra Yawalapiti, Ariakunalu Trumai, Belua Karaja, Carolina Rikbaktsa, Fabíola Tapirape, Marizilda Mamainde, Maria Sayaka Kamayura, Neide Boe Bororo, Nhagrokroti Metuktire, Sebastiana Chiquitano, Sinara Balatibone, Tereza Paresi, Wisio Kaiabi, além da coordenadora do Departamento de Mulheres da Fepoimt, Maria Anarrory Yudjá. “Se nós ficarmos unidas vamos vencer os desafios de cada um aqui presente”, afirmou Sebastiana Chiquitano durante a assembleia.

 A coordenadora Anarrory destacou a qualidade do grupo de delegadas: “Essas mulheres são a prova de que o movimento das mulheres indígenas em Mato Grosso é vibrante e determinado a garantir que nossas vidas e nossas culturas sejam respeitadas e valorizadas em todas as esferas de decisão”.

Nova composição no Departamento de Mulheres da Fepoimt

Após avaliação das presentes sobre o trabalho do Departamento de Mulheres, foram eleitas as coordenadoras, com atualização de nomes também para as regionais do estado. A presidente Eliana Xunakalo falou sobre os avanços alcançados pelo Departamento e sua finalidade de apoiar os movimentos regionais de mulheres, respeitando a autonomia de cada um deles. Para as novas eleitas, destacou a importância de se envolverem efetivamente. “Que seja alguém ativo, no sentido de trazer as demandas e de construir junto com a gente as soluções”, afirmou.

Osmarina Morimã, do povo Apiaká, eleita como titular da regional Norte, reforçou a importância de buscarem aprimorar os processos necessários e da união entre todas para as conquistas a serem atingidas. “Aonde a gente errou, temos que acertar. E precisamos estar juntas. E junto com os homens”, reforçou.

Foram eleitas como coordenadoras Maria Anarrory Yudjá (coordenadora geral), Maria Devanildes Kaiabi (coordenadora de captação de recursos) e Eliene Rikbatsa (coordenadora de campo). Nos conselhos regionais ocupam respectivamente o lugar de titulares e suplentes Dazia Maria Mani e Genildes Zazaikba Rikbaktatsa (Noroeste), Osmarina Morimã e Nhakangroti Metuktire (Norte), Kujãesage Kayabi e Yakaumalu Kuikuro (Xingu), Meire Diwake Karajá e Mareaparygi Lisete Tapirapé (Médio Araguaia), Udivani Surubim Rocha e Aline Mamaindê (Vale do Guaporé).

A 5ª Assembleia de Mulheres Indígenas contou com parceria da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Coordenação Técnica Local (CTL) de Juína, da Prefeitura de Juína, do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Vilhena, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), do Programa REM, do World Wide Fund for Nature (WWF) e do Instituto Centro de Vida (ICV).

Foi apoiada também pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), por meio do projeto Berço das Águas, patrocinado pela Petrobras, que tem por  objetivos o fortalecimento das organizações indígenas e das cadeias da sociobiodiversidade junto aos os povos Rikbaktsa das TIs Japuíra, Escondido e Erikpatsa, e aos Apiaká e Munduruku da TI Apiaká do Pontal e Isolados.