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CIDADES Domingo, 27 de Setembro de 2020, 14:14 - A | A

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QUADRO DEPRESSIVO

"Não consigo mais dormir, do jeito que deito eu amanheço", diz funcionária demitida por raspar cabeça

Marina Cintra/ Especial para O Bom da Notícia

Foto: Vinicius Bruno

Regina Santana da Silva Fernandes

A zeladora espiritual e presidente do Ilê Axé, Iyalorixá Edna de Oxum e a ex-funcionária que teve a cabeça raspada, Regina Santana

 

A ex-funcionária da empresa Morhena, Regina Santana da Silva Fernandes, de 41 anos, que foi demitida por aparecer em seu serviço com a cabeça 'raspada', desvelando a presença do preconceito existente ainda em algumas empresas.

Sobretudo, revelando que se a intolerância religiosa tem o poder de tornar a vida de algumas pessoas em um verdadeiro pesadelo, em particular, da ex-funcionária, 'virou um onferno'.

Para Regina - em conversa com o site O Bom da Notícia, sua vida mudou, virou de 'cabeça pra baixo'. Deixando-a extremamente fragilizada após o episódio do preconceito e da demissão.  

Regina trabalhava na empresa terceirizada de limpeza desde junho de 2019. No entanto, a empresa não aceitou o fato de ter uma funcionária com a 'cabeça raspada', fruto de um ritual de iniciação no Candomblé que, comumente, ocorre como tradição na religião de Matriz Africana.  

“Tem sido um tormento pra mim porque eu não consigo dormir. Da maneira queu deito, eu amanheço e quando eu consigo dormir, é menos de 40 minutos, um cochilo só. Tenho que tomar calmante pra dormir, parece que tirou meu chão. Penso dia e noite nessa situação. Fico pensando demais, tira minha fome, me deixa ansiosa e a tristeza bate dentro de mim por várias situações”, afirmou.   

Tenho que tomar calmante para dormir, parece que tirou meu chão. Penso dia e noite nessa situação. Está tirando minha fome, me deixa ansiosa e a tristeza bate dentro de mim

O constrangimento imposto à Regina, somado à demissão causaram um grande desequilíbrio emocional a ela que passará, inclusive, por uma avaliação psiquiátrica para tratar de depressão. Sobretudo, por conta do preconceito à sua cor e à situação da intolerância religiosa.

“Quem me conhece sabe que sou uma pessoa alegre, sempre muito comunicativa e nunca deixo de sorrir, mas ultimamente, não tenho mais vontade de sorrir. Quero que a justiça dos orixás e dos homens seja feita aqui na terra”.  

De acordo com coordenadora do Fórum de Mulheres Negras de Mato Grosso, Elis Regina, o problema da intolerância religiosa está relacionado, majoritariamente, ao racismo e uma vontade de anular a crença associada aos povos originários da África, vinculando a sua aparência a pratica religiosa.     

Assim, ainda diz a coordenadora, a religião de matriz africana sofre preconceito desde sempre, mas quando é praticada por alguém da alta sociedade, estranhamente, se torna mais tolerável. “Para artistas, jogadores de futebol, políticos, que sabemos que tem condições, a prática chega a ser tolerável. Eles não são taxados por conta disso. Enquanto que, quando se fala de uma pessoa de raça negra e da periferia, que frequenta uma casa de Candomblé ou de Umbanda, com certeza o preconceito é maior. Então nós percebemos que o preconceito maior é por conta da cor, raça e não por conta da religião e isso é nítido”, disse.  

Posição da Iyalorixá

A Iyalorixá Edna de Oxum, que é zeladora espiritual de Regina e presidente do Ilê Axé afirma que está indignada com a situação e, que a situação não será colocada no esquecimento.

"Estamos vivendo tempos difíceis de ataques às aos praticantes das religiões de Matriz Africana e de desrespeito ao nosso sagrado. Nós não vamos deixar essa situação impune. Já temos uma advogada cuidando do caso e queremos a reparação na Justiça de todas as ofensas e crimes praticados contra minha filha de santo".      

O outro lado

A assessoria da Empresa Morena de Parceria e Serviço, com matriz em Campo Grande, Mato Grosso do Sul [cujo nome da empresa em Cuiabá, MT, consta com o nome fantasia de Morhena] informou ao site O Bom da Notícia que somente deverá se manifestar na Justiça, já que a funcionária Regina Santana da Silva Fernandes fez Boletim de Ocorrência, sob uma narrativa de preconceito da empresa quanto ao fato dela ter 'raspado a cabeça'. "Assim, estamos aguardando sermos intimados e a situação já está nas mãos do nosso jurídico".